Quem foi Russell Kirk?

Conteúdo original do Instituto Acton. Revisão e adaptação por Renan Felipe dos Santos. Para ler o artigo original, clique aqui.

Russell Kirk, pai do movimento conservador americano, faleceu no dia 29 de abril de 1994, aos 75 anos de idade, na sua casa em Mecosta, Michigan. Mais conhecido pelo livro A mentalidade conservadora (The Conservative Mind), publicado em 1953, os escritos do Dr. Kirk influenciaram duas gerações de conservadores nos Estados Unidos e no exterior.

Foi um escritor e colunista prolífico, com mais de trinta livros publicados, tanto de ficção quanto de não-ficção, além de centenas de ensaios e resenhas. Por trinta anos editou The University Bookman, uma revista bimestral de resenhas de livros, e foi o fundador da revista acadêmica de política e cultura Modern Age. Além disso, apoiou o Instituto Acton, desde o início em 1990, com sua presença no conselho consultivo.

Nascido e criado no interior de Michigan, Dr. Kirk cultivou um vínculo com a terra e uma admiração por comunidades agrárias severamente independentes. Se formou no Michigan State College, em 1940 e foi estudar História na Duke University. Em 1942, foi recrutado para o serviço militar e passou o restante da guerra em Utah.

Essa experiência dos tempos de guerra aumentaram a desconfiança no poder estatal. As cartas desse período revelam sua oposição ao recrutamento, à ineficiência militar, à burocracia governamental, ao “paternalismo” e às economias socialistas. Temia que os proponentes do New Deal condenariam os Estados Unidos à tirania de uma economia coletivista. O período no exército, entretanto, o deu a oportunidade de aumentar o conhecimento das obras clássicas e a se preparar para estudos posteriores depois do serviço militar. Logo após a guerra foi para a St. Andrews University, na Escócia, para um doutorado sobre a tradição intelectual conservadora anglo-americana, que posteriormente se tornou o livro The Conservative Mind.

Nessa obra, Dr. Kirk expôs os seis princípios de sua filosofia: 1) os problemas políticos são fundamentalmente problemas religiosos e morais porque um propósito divino rege a sociedade e a consciência; 2) o reconhecimento da necessidade de cultivar a afeição por uma multiplicidade e variedade de modos de vida e costumes tradicionais, em oposição às ideologias reducionistas e tacanhas de esquemas sociais igualitários e utilitários; 3) as ordens e classes devem ser aceitas como pre-requisitos naturais e necessários para a harmonia social; 4) o vínculo entre propriedade e liberdade é inseparável e o nivelamento econômico acaba com o crescimento econômico; 5) a preferência por prescrever a tradição e o grande preconceito contra as grandes teorias sociais de intelectuais alienados cujas idéias, quando aplicadas como políticas públicas, liberam os impulsos anárquicos do homem; 6) a mudança não é idêntica a reforma.

O liberalismo contemporâneo persistentemente engajado de modo articulado e inteligente do Dr. Russell Kirk não era uma maneira de simplesmente criticar seus oponentes, mas de fornecer uma alternativa positiva que justificasse a preservação do que chamava “coisas permanentes” enquanto deixava livre o poder da “imaginação moral.” Sua visão sacramental católica levou às páginas impressas uma visão de humanidade cheia de cores e mistérios, composta por uma série de tradições e costumes guiados pela lei natural. À essa riqueza da verdade, sob constante ameaça, ele dedicou toda a vida para defender.

A Necessidade não gera Direitos

Por Alberto Medina Méndez. Traduzido e adaptado para o português do Brasil por Renan Felipe dos SantosArtigo publicado originalmente no blog Existe Otro Camino. Para ler o artigo original, em espanhol, clique aqui.

O mundo parece estar protagonizando uma comédia. O grave disto é que alguns creem que se trata do correto e decidiram tomar com seriedade a bandeira desta farsa.

Entre tantas afirmações falaciosas a que nos acostuma a propôr todo o dia, o populismo há décadas conseguiu engendrar uma frase, da qual os líderes demagógicos do presente se apropriaram. Outros setores se somaram a esta pregação por não poder impor seu comunismo pelas vias ortodoxas, ou seja as mais violentas, estas que recomendavam seus mentores. Neste esquema, estes últimos optaram por este caminho mais amigável às democracias atuais.

Aquela máxima que rezava “onde existe uma necessidade, nasce um direito” deu origem a uma série de teorias segundo as quais um cidadão que tem uma necessidade, qualquer que seja ela, deve ser satisfeito em sua demanda.

Assim as coisas foram declaradas direitos de todos, o de alimentar-se, à saúde, a educação, o trabalho e a habitação, entre outros. Em vez de estabelecer-se que temos direito a esforçar-nos para ter acesso a cada um destes bens, se impulsionou-se, demagogicamente, enunciar esta espécie de jubileu geral, pelo qual todos os ciudadãos tem direito a eles pelo único fato de residir em uma nação.

A palavra direito, neste perverso jogo em que nos colocam estes engenheiros no uso do dinheiro alheio e possuidores de uma mente privilegiada capaz de estabelecer de quem tirar recursos para dar a outros, foi utilizada impiedosamente para instalar uma nova ideia, tão imoral como operativamente inaplicável.

Sob esta ótica, se um cidadão precisa de trabalho, o Estado, fazendo uso de seus recursos, deveria lhe dar um trabalho. O mesmo vale para a educação, a saúde ou a habitação. Todas estas, e outras mais, são OBRIGAÇÕES do Estado, e do governo da vez, que deve fazer tudo que for pertinente para satisfazer estas necessidades “mínimas” dos seus cidadãos.

Com a escuridão conceitual tão habitual com a qual se deleitam os reis da demagogia, não sabemos muito bem o que seria satisfazer estas necessidades. Ou seja, quando se fala de alimentação, não sabemos com que quantidade e qualidade de comestíveis cada cidadão estaria em respeito de suas necessidades neste item. O mesmo poderíamos dizer de sua educação: até que nível requer, ou se isto inclui eventualmente sua formação universitária ou as disciplinas complementares como idiomas, técnicas especiais ou, porque não?, um título superior de pós-graduação.

Depois de tudo, a palavra necessidade é ambígua, e subjetiva, depende de quem a expresse, de sua ótica pessoal sobre o que necessita. Alguém poderia necessitar viajar ao estrangeiro para tirar férias, depois de um esforçado ano de trabalho, ou bem outro poderia precisar de uma casa com lugar para três veículos.

Claro está que os detentores do poder, e seus ideólogos funcionais dirão que isto é um exagero, porque por fim eles, sim, eles e somente eles, determinarão o que é uma necessidade e o que não é.

É que já nos acostumaram que eles pensam por todos, e decidem pelos demais, estabelecendo o que é correto e o que não é. Sempre é bom recordar que se tratam de mentes brilhantes, de verdadeiros iluminados, de gente com um coeficiente intelectual superior, o que os torna elegíveis para nos governar e conduzir nossas empobrecidas inteligências individuais que precisam de orientadores para seguir como rebanho.

Neste esquema, eles determinarão o que é compatível com uma necessidade e estabelecerão quando um cidadão tem direito ao que reclama e quando eles, sim, eles e somente eles definirão que não.

Quando determinarem que sim, neste caso, se ocuparão de financiar desde o Estado o que consideram ser uma necessidade de habitação, alimentação, educação ou saúde.

O farão, claro está, subtraindo recursos do setor privado via impostos, emissão monetária ou endividamento estatal, para jogar a conta no colo dos que trabalham pelos demais.

Trabalhando esta hipótese, já não tão impensável nestes tempos, poderíamos afirmar que se em uma sociedade só geram riqueza 50% dos cidadãos, ou qualquer outra porcentagem menor ou maior, isto significaria que esta porção da sociedade terá que arcar com suas próprias necessidades e, por via da crença generalizada que se instalou entre nós de que uma necessidade gera direitos, também pagará a alimentação, educação, trabalho ou saúde ou o que seja dos que não tem recursos ao seu alcance.

Bom, é disto que se trata. Neste tipo de sociedade vivemos, e a isto estão nos arrastando com suas crenças não só errôneas, senão perversamente imorais.

Que fique claro que quando as contas vem e os recursos públicos não são suficientes, os partidos políticos que defendem ferreamente estes princípios são os mesmos que se ocupam de relativizar estes supostos direitos que tanto difundem, mas de nenhuma maneira lhes faltará dinheiro público para a próxima campanha eleitoral que lhes permita reter poder. Esta é a sua lógica. É assim que funcionam.

A sociedade deve saber o preço que paga por repetir as perversas ideias daqueles que difundem falácias que só lhes convém enquanto lhes permite controlar o fluxo de caixa arbitrariamente, sob a desculpa da sensibilidade social e a ajuda ao próximo, sempre com dinheiro alheio, dos que produzem, dos que trabalham, aos que além de saquear, atacam ideologicamente por pertencer a um suposto círculo social diferente.

Este é o jogo intelectual que nos propõem. Nada novo debaixo do sol. O problema não é o que propõem, senão a mansidão com que muitos dos espoliados terminam apoiando estes slogans de vergonha social, resignação cidadã, ou inclusive adulação sem reflexão. É tempo de revisar esta ideia desde a sua origem. Não repitamos sem pensá-la para que não seja uma das tantas premissas que nos levam a acompanhar políticas equivocadas. Definitivamente, a necessidade NÃO gera direitos.

O Caminho da Servidão

É comum ouvir algumas pessoas afirmando que a igualdade material deve antepor-se à liberdade individual. Para tornar esta ideia crível para o público, é necessário fazer confundir estas duas coisas, destruindo o sentido original da palavra Liberdade, não ser impedido de agir, e substituindo-o por outro, a liberdade da necessidade. Para funcionar, é necessário vender o kit completo: é necessário convencer a massa de que ela não é livre para escolher, de que ela é “escrava” do consumo, “escrava” do patrão, “escrava” do salário, “escrava” da escolha.

Na Convenção (Nº 29) sobre o Trabalho Forçado, 1930, a OIT define trabalho forçado, para efeitos da lei internacional, como “todo o trabalho ou serviço que seja exigido a qualquer pessoa, sob ameaça de qualquer penalidade, e para o qual a essa pessoa não se tenha oferecido voluntariamente”.

Esta definição foi retirada de um Relatório Global no seguimento da Declaração da OIT sobre os Direitos e Princípios Fundamentais do Trabalho, sob o título O Custo da Coerção.

A transição da Utopia da Imaginação para a Realidade.

Ironicamente, nenhum sistema empregou mais mão-de-obra escrava no mundo conteporâneo do que aqueles que juravam acima de tudo garantir a igualdade material. Durante o século XX, a União Soviética ficou especialmente conhecida pelo trabalho forçado imposto a prisioneiros políticos e outras pessoas perseguidas jogadas em campos de trabalho forçado. Milhões de pessoas foram exploradas e mortas pelas condições extenuantes do trabalho escravo e pelas péssimas condições de vida. Este sistema foi uma continuação do sistema de trabalho forçado da Rússia Imperial, mas numa escala muito maior.

Entre 1930 e 1960, o regime soviético criou muitos campos de trabalho forçado na Sibéria e na Ásia Central: havia cerca de 476 complexos separados, cada um composto de centenas ou mesmo milhares de campos individuais. Estima-se que havia entre 5 e 7 milhões de pessoas nestes campos, em média.

Em anos posteriores, estes campos também mantinham vítimas dos expurgos de Stalin e prisioneiros da Segunda Guerra Mundial. É possível que 10% dos prisioneiros morresse a cada ano.

Provavalmente os piores dos complexos foram os três construídos no Círculo Ártico em Kolyma, Norilsk e Vorkuta. Os prisioneiros nos campos de trabalho soviéticos eram mortos por uma misura de quotas abusivas de produção, brutalidade, fome, etc.

Estima-se que mais de 18 milhões de pessoas passaram pelo Gulag, com outras milhões sendo deportadas e exiladas em áreas remotas da União Soviética.

(Mais informações no Gulag History)


Poderíamos citar muitos outros exemplo, históricos e atuais como os laogais na China comunista, as prisões nortecoreanas e o trabalho escravo cubano.

Lidando com apologistas: três objeções básicas

Um apologista dos regimes de extrema-esquerda tentará três abordagens para contornar esta questão:

  1. Negar a existência da escravidão nos países socialistas. Tentará desacreditar as fontes ou fazer uma distorção do conceito de liberdade ou escravidão.
  2. Afirmar que a liberdade é menos importante do que garantir um mínimo de qualidade de vida. Ou seja, tudo bem ser escravo desde que o senhor te dê roupa, comida e habitação.
  3. Afirmar que as vertentes autoritárias e ditatoriais do socialismo que usam mão-de-obra escrava em escala massiva são um desvio do socialismo ‘verdadeiro’, e que são deturpações do que o socialismo é ou deve ser.

Quanto à primeira questão, existe farta documentação sobre os regimes de trabalho forçado na União Soviética e seus países satélite. É mais difícil encontrar informações sobre países comunistas atuais porque seus governos evitam o quanto podem o vazamento de informação e a entrada de organizações internacionais para averiguar as condições de trabalho. Mas, ainda assim, existem fortes evidências que atestam o trabalho escravo ou semi-escravo na China, na Coréia do Norte e em Cuba.

Sobre Cuba, as acusações mais recentes vieram de médicos. Você pode ler sobre isso nos seguintes links:

Sobre a China, existe um site dedicado exclusivamente à denúncia do seu sistema de laogais: o Laogai Research Foundation.

Sobre a Coréia do Norte, pode-se obter algumas informações lendo reportagens no Asia Times ou na CNN:

Quanto à segunda questão, é auto-evidente que a liberdade de uma pessoa não pode ser trocada por um prato de comida. O fato de um senhor de engenho dar comida, senzala e roupas para os seus escravos não justifica a escravidão e muito menos torna a escravidão mais desejável que a vida como um homem livre.

As duas primeiras objeções são de caráter moral. É necessário somente honestidade e acesso à informação para ver a escravidão nos regimes ditatoriais. Para saber que oferecer bens nunca foi justificativa para tirar liberdade de alguém, é necessário somente a honestidade. Vamos partir para a terceira objeção. Seria a escravidão fruto de uma deturpação do socialismo, do ideal de uma sociedade materialmente igualitária? Ou seria uma consequência lógica deste raciocínio?

Escravidão: consequência lógica do socialismo?

Imagine que você é o administrador da uma empresa. Você paga um salário para cada um dos seus funcionários em troca dos serviços que eles realizam na empresa, de modo que eles podem comprar bens ou pagar por serviços.

Vamos simular uma economia estatizada. Você, o administrador da empresa, é o Estado, e os seus funcionários serão os servidores públicos. Para simular uma economia socialista, precisamos prover o que os nossos cidadãos consomem. Quer dizer que temos que bancar a educação, a saúde, a segurança, o vestuário, a alimentação, a diversão, etc. É necessário atender, ou pelo menos tentar atender, as necessidades de consumo dos trabalhadores. Afinal, tudo será provido pelo Estado.

Vamos chegar num ponto em que você perceberá que está tirando dinheiro de um bolso para colocar em outro. Você paga os trabalhadores para que eles comprem algo que você mesmo fornece. Logicamente, isto é uma movimentação desnecessária de recursos. O que seria mais sábio fazer? Descontar o almoço diretamente do salário. Assim, o Estado deduz dos salários o preço dos produtos e serviços que ele providencia. Um Estado que tenha a pretensão de produzir tudo que seus cidadãos possam consumir, logicamente, não pagará salário algum. Em troca do trabalho, você dará tudo o que eles poderiam comprar, dentro do limite que você puder bancar, e ninguém ganhará salários.

Substituição do trabalho livre assalariado pelo trabalho servil

Temos um dos elementos do trabalho servil, que é a subtração da remuneração. Seus funcionários, como recebem tudo que poderiam consumir diretamente de você, não recebem salário.

O segundo elemento do trabalho servil é a dependência do trabalhador por um único provedor. Temos então uma economia dual onde há somente um fornecedor e um consumidor: seus ‘consumidores-funcionários’ não tem outra opção de escolha. Só consomem o que você produz, do jeito que você produz e na quantidade que você produz, gostem eles ou não. O trabalhador não pode optar por outro empregador e, não tendo salário, não há o que ele possa oferecer em troca do produto de outro fornecedor.

Por fim, seus funcionários estão dependentes do seu planejamento central. É o terceiro e mais importante elemento do trabalho servil: a ausência de liberdade profissional. Você é o administrador que lhes provê tudo e determina o que eles devem fazer, como devem fazer e quando devem fazer. Se você acha que é melhor que o João corte cana, então ele tem que cortar cana. Caso contrário você pode privar ele dos serviços monopolizados por você, deixando ele sem serviços médicos, ou sem a comida racionada. Mais ainda, você pode até aplicar um castigo físico em João caso ele se recuse a cortar cana, ou prendê-lo, ou mandá-lo para uma instituição de “reeducação” para ele aprender o seu lugar dentro do sistema.

O trabalhador então é tratado como um recurso dentro de um projeto, devendo ser alocado de acordo com o programa do governo. Ele não tem a liberdade de escolher sua profissão, de buscar outro empregador ou fornecedor de bens, ou de trabalhar como autônomo. Toda a sua formação e carreira é determinada pelo Estado. O que será produzido e consumido é determinado pelo Estado. O modo de vida do cidadão é determinado pelo Estado. Tudo tem que estar de acordo com o plano.

Chegamos à conclusão lógica do socialismo. A abolição do mercado, das livres trocas, do trabalho livre, da concorrência entre empregadores e fornecedores, da liberdade de escolha e a instituição de uma Economia assentada sobre o planejamento central, o trabalho compulsório e o monopólio. Onde o Estado é o único empregador e o único produtor, o trabalhador não tem outra opção além da submissão.

Dica de leitura

O Caminho da Servidão, de Friedrich A. Hayek. Clique na imagem acima para ler o livro disponível em nossa biblioteca.