por Larry Arnhart, professor de Ciência Política na Northern Illinois University. Traduzido e adaptado o português do Brasil por Renan Felipe dos Santos. originalmente no blog Darwinian Conservatism, do mesmo autor. Para ler o artigo original, em inglês, clique aqui.
Um sinal de confusão intelectual entre os conservadores nestes tempos é que eles não conseguem se decidir acerca de Charles Darwin. Alguns conservadores (como Charles Murray e James Q. Wilson) apelam à biologia darwiniana para mostrar como a ordem moral está enraizada na natureza humana. Mas outros (como William F. Buckley Jr. e Andrew Ferguson) rejeitam o darwinismo como uma forma de materialismo científico moralmente corruptora.
Considere, por exemplo, a reação conservadora ao livro de Francis Fukuyama A Grande Ruptura. Fukuyama usou uma teoria darwiniana de comportamento social humano para apoiar a visão conservadora de que realmente há uma natureza humana que estabelece normas para a ordem social, em contraste à visão comum dos relativistas culturais de que as regras sociais são construções arbitrárias da vida cultural. O livro de Fukuyama provocou uma refutação inflamada na Weekly Standard por Andrew Ferguson, que alertou os conservadores de que a ciência darwiniana promove o materialismo bruto e nega a liberdade e a dignidade dos seres humanos como agentes morais. Peter Lawler, escrevendo na Modern Age, concordou com Ferguson e até denunciou Fukuyama como um “professor do mal.” Conservadores como Ferguson e Lawler estão pelo menos particularmente corretos, porque alguns darwinistas (Richard Dawkins, por exemplo) interpretam a teoria darwiniana como ditando uma visão reducionista dos seres humanos como governados pelos seus “genes egoístas”. Penso que Fukuyama em última análise tem um argumento melhor, entretanto, porque ele vê que a biologia darwiniana bem entendida confirma nossa visão comum dos seres humanos como animais naturalmente sociais cuja vida social depende de um senso moral natural, que suporta a visão conservadora da natureza humana.
Mas antes que eu possa defender o quão bom é o darwinismo na sustentação da visão conservadora da natureza humana e da ordem moral, eu preciso defender sua verdade. Alguns conservadores foram persuadidos por Phillip E. Johnson, Michael J. Behe, William A. Dembski, e outros proponentes da “teoria do design inteligente” de que a teoria de Darwin sobre a evolução por seleção natural tem pouco apoio na evidência e na lógica, e que os darwinianos teimosamente recusam-se a reconhecer a evidência do “design inteligente” no mundo como um apontamento ao divino Criador.
Concordo que conservadores deveriam ter sérias e boas críticas com relação à biologia darwiniana, como as oferecidas por pessoas como Johnson, Behe, e Dembski. Não afirmo que a teoria darwiniana possa ser demonstrada com a precisão e certeza de modo a não deixar espaço para dúvidas razoáveis. Afirmo apenas que a teoria darwiniana é apoiada pela preponderância das evidências e dos argumentos. De fato, isto é tudo que Darwin clamou para sua posição. Mais ainda, ainda que eu não pense que possamos descobrir por inferência lógica a partir da experiência ordinária a existência de um Criador, uma visão darwinista do mundo como governado por leis naturais é ao menos compatível com uma fé teísta no Criador como uma fonte sobrenatural de tais leis naturais.
Darwin reconheceu que havia muitas objeções sérias a sua teoria de descendência com modificação através da seleção natural. Em A Origem das Espécies, ele dedicou mais de um terço de seu argumento para considerar as “dificuldades” da sua teoria. Ele admitiu que algumas das objeções “são tão sérias hoje que eu mal posso refletir sobre elas sem ficar até certo ponto abalado.” E ainda assim ele respondeu a estas objeções e insistiu que sua teoria emergeria como altamente “provável” se se considerassem os “fatos e argumentos” a seu favor.
Darwin reconheceu que a biologia evolutiva tem todas as dificuldades derivadas do fato de ser uma ciência histórica que diz respeitos a eventos únicos no passado que não podem ser diretamente observados ou experimentalmente replicados no presente. O registro do passado – como o registro geológico dos fósseis – é incompleto, e portanto a teoria de Darwin sobre a história evolutiva não pode ser provada conclusivamente. Phillip Johnson explora esta limitação – inerente a toda ciência histórica – demandando a completa evidência histórica e experimental da teoria de Darwin. Ele pode então concluir que a teoria que não está apoiada em evidências está incompleta, e sempre estará. Mas esta estratégia retórica é desarrazoada em denegrir as impressionantes evidências para a teoria de Darwin, evidências estas bem pesquisadas por Kenneth Miller em seu recente livro Finding Darwin’s God (Encontrando o Deus de Darwin), que defende o darwinismo contra Johnson, Behe, e outros críticos.
De fato, em Darwin’s Black Box (A Caixa Preta de Darwin), Michael Behe reconhece que há evidência suficiente para apoiar a conslusão darwiniana de que todas as espécies, incluindo seres humanos, derivam de um ancestral comum por descendência com modificação por seleção natural. Mas ele sustenta que um tipo de sistema biológico não pode ser explicado pela teoria de Darwin – a saber, qualquer sistema “irredutivelmente complexo.”
Um sistema “irredutivelmente complexo”, Behe explica, é “um sistema único composto de muitas partes interativas e bem encaixadas que contribuem para a função básica, de modo que a remoção de qualquer uma destas partes faz o sistema cessar o seu funcionamento.” Tal sistema complexo não pode ser produzido gradualmente por seleção natural para melhorar sistemas mais simples, porque “um sistema irredutivelmente complexo não pode ser produzido diretamente (isto é, pela melhoria contínua da função inicial, que constitui o trabalho deste mesmo mecanismo) por modificações leves e sucessivas de um sistema precursor, porque qualquer precursor de um sistema irredutivelmente complexo que não tem uma parte é por definição não-funcional.”
A analogia favorita de Behe é a ratoeira, que é um sistema irredutivelmente complexo porque não poderia desempenhar sua função de pegar ratos se qualquer uma de suas partes estivesse ausente. Observando a ratoeira, podemos inferir um designer humano como seu criador. De modo similar, argumenta Behe, ao observar a complexidade irredutível de sistemas biomoleculares, podemos inferir que eles foram criados por um designer divino em vez de pela seleção natural operando em variação aleatória dentro de uma história evolutiva. (William Dembski estendeu este raciocínio usando teoria matemática da probabilidade para lançar o critério formal para detectar “design” quando vemos “improbabilidade padronizada” ou “complexidade especificada.”)
Como evidência primária de sua posição, Behe descreve seis tipos de mecanismos biomoleculares – bactérias movidas por um flagelo, células movidas por cílios, coágulo sanguíneo, sistemas de transporte celular, o sistema imunológico e a biossíntese de proteínas e ácidos nucleicos. Em cada caso, ele primeiro mostra a grande complexidade destes sistemas, e então afirma que nenhum cientista foi bem sucedido explicando claramente e precisamente como estes complexos sistemas bioquímicos emergiram gradualmente por evolução darwiniana. Os cientistas deveriam concluir a partir disto, Behe insiste, que o único modo de explicar tal complexidade biológica é reconhecê-la como um efeito do “design inteligente” do Criador.
Os biólogos que analisaram o livro de Behe tiveram de admitir que ele estava certo ao afirmar que os biólogos evolutivos não explicaram os exatos caminhos evolutivos dos seis mecanismos biomoleculares que ele considera. Mas, como os analisadores indicaram, isto não demonstra que tais caminhos evolutivos não existem; só mostra nossa ignorância. Desenvolver tal explicação no futuro permanece uma possibilidade realista, afirmam os cientistas, e assim o argumento da ignorância de Behe é mais fraco do que ele admite.
Behe frequentemente aceita as explicações darwinianas da origem de estruturas anatômicas. E mesmo a nível da biologia molecular, ele as vezes aceita a teoria darwiniana como adequada. Por exemplo, ele concorda com a explicação darwiniana para a origem da hemoglobina – a proteína que carrega oxigênio no sangue – como tendo evoluído por modificação natural de uma proteína mais simples, a mioglobina. Aqui, ele admite, “o caso do design é fraco.” Mas como existem outros fenômenos biológicos que não podem ser explicados tão claramente por causas evolutivas, Behe acha que pode inferir um “design inteligente.”
Parece, então, que o argumento de Behe é construído de modo que nunca poderia ser falseado. Mesmo que ele admita que cientistas darwinianos possam explicar a origem evolutiva de muitos mecanismos bioquímicos, Behe pode sempre dizer que qualquer coisa que permaneça não explicada é uma evidência do “design inteligente”. Mas uma vez que a ciência nunca conseguirá explicar tudo, ele nunca poderá ser refutado.
Mais ainda, Behe, Dembski e outros proponentes da “teoria do design inteligente” empregam uma linha de raciocínio fundamentalmente falaciosa em seu uso equívoco do termo “design inteligente”. Dembski afirma que “o design inteligente… é inteiramente separável do criacionismo.” Ele explica: “design inteligente é detectável; de fato detectamos ele; temos métodos confiáveis para detectá-lo; e sua detecção não envolve qualquer recurso ao sobrenatural. O design é algo comum, racional e objetificável.”
Se isso é que ele chama de “design inteligente”, então qualquer pessoa racional deveria aceitá-lo, e não seria nada muito controverso. De fato, a maior parte do que diz Dembski em seu livro A inferência do Design sobre como inferimos design da “complexidade especificada” é um relato nada controverso sobre como detectamos o design feito por agentes humanamente inteligentes. Até este ponto, realmente “não envolve qualquer recurso ao sobrenatural.” Mas claramente Debski quer mais que isso. Ele escreve: “O mundo é um espelho representando a vida divina. A filosofia mecânica sempre foi cega para este fato. O design inteligente, por sua vez, prontamente abraça a natureza sacramental da realidade física. De fato, o design inteligente é apenas a teologia da Logos do Evangelho de João reafirmada no idioma da teoria da informação.” Isto leva Dembski a concluir que “Cristo é indispensável a qualquer teoria científica.” Aqui o “recurso ao sobrenatural” é claro.
Esta confusão na “teoria do design inteligente” – tanto afirmando quanto negando o “recurso ao sobrenatural” – vem do equívoco no uso do termo “design inteligente.” Tanto Dembski quanto Behe falam de “design inteligente” sem distinguir claramente “design humanamente inteligente” de “design divinamente inteligente”. Nós todos já observamos como a mente humana pode causar efeitos que são humanamente desenhados, e de tais efeitos observáveis, podemos inferir a existência de designers humanamente inteligentes. Mas uma vez que nunca observamos diretamente uma inteligência divina (ou seja, uma inteligência onisciente e onipotente) causando efeitos que são divinamente desenhados, não podemos inferir um designer divinamente inteligente da nossa experiência humana comum.
Behe está certo que de uma aparentemente bem projetada ratoeira podemos plausivelmente inferir a existência de um designer humanamente inteligente como sua causa, porque temos a experiência comum de como ratoeiras e outros artefatos são desenhados por mentes humanas. (Como Dembski indica, a experiência comum também nos permite identificar alguns animais como designers inteligentes.) Mas de um aparentemente bem-projetado processo ou entidade orgânica não podemos inferir plausivelmente a existência de um designer divinamente inteligente como sua causa, porque não temos experiência comum de como uma inteligência divina projeta coisas para propósitos divinos.
Se algo parece ser inteligentemente projetado, e não podemos explicar plausivelmente se foi desenhado por uma inteligência humana ou se é um produto de causas darwinianas, então ignoramos as causas. Os escritos de pessoas como Dembski e Behe são instrutivos no apontar tais casos de ignorância dos fatos. Assumir, em tal caso, que a causa não é divina requer fé no materialismo. Assumir que a causa deve ser divina requer fé no teísmo. Ambas as posições – materialismo e teísmo – estão fundamentalmente apoiadas em fé, porque vão além da experiência humana comum. Pelo seu uso equívoco do termo “design inteligente”, os proponentes da teoria do design inteligente ocultam seu inescapável apelo à fé. (Claro, os materialistas científicos frequentemente tentam ocultar seu próprio apelo à fé). Ao contrário do que os teóricos do design inteligente afirmam, não podemos partir somente da lógica e da experiência ordinária para qualquer inferência sobre um designer divinamente inteligente em conformidade com “a teologia do Logos do Evangelho de João”. Por que para isso necessitamos de fé.
O darwinismo não é ameaça para tal fé teísta. A ciência darwiniana deve fundamentalmente apelar às leis da natureza como o alicerce da explicação; mas perguntar porque a natureza tem as leis que tem é ir além da natureza em direção à natureza de Deus. Ateus darwinianos como Richard Dawkins não podem negar a fé teísta em Deus como a Causa Primeira sem assumir uma fé materialista que vai além da evidência e da lógica da ciência empírica. O próprio Darwin abertamente confessava que questões sobre as causas primordiais – a origem da vida ou a origem do universo como um todo – apontavam para mistérios que podem estar para sempre além de sua ciência. Assim, o darwinismo é compatível com a crença em um Deus bíblico.
Mas o darwinismo é compatível com a fé em Deus como o provedor da lei moral? Esta questão levanta um assunto mais profundo, porque a oposição à teoria darwiniana entre conservadores é motivada não por uma preocupação puramente intelectual acerca da veracidade ou falsidade da teoria, mas por um medo profundo de que o darwinismo negue as fundações da moralidade tradicional ao ao negar qualquer apelo às normas transcendentes da lei moral de Deus. John G. West Jr. é o Diretor Adjunto do Discovery Institute’s Center for the Renewal of Science and Culture (Centro para a Renovação da Ciência e Cultura do Instituto Discovery), que patrocinou muitos dos críticos do darwinismo. Ele explica a motivação conservadora para sua posição quando alerta que o darwinismo promove um “materialismo científico” que subverte toda a moralidade tradicional. “Se seres humanos (e suas crenças) são realmente produtos inconscientes de sua existência material, então tudo que dá significado à vida humana – religião, moralidade, beleza – revela-se sem uma base objetiva.”
De modo similar, Ferguson, e seu ataque a Fukuyama, alerta os conservadores para que suspeitem da ciência natural moderna. Insistindo em uma rígida oposição entre o estudo científico das causas naturais e a experiência humana da liberdade moral, ele argumenta que os seres humanos como “seres autônomos” estão livres do determinismo da natureza que é pressuposto pela ciência darwiniana. Como uma alternativa ao “mito materialista da nova ciência”, Ferguson sugere que os conservadores deveriam apelar para “mitos mais velhos” de livre arbítrio e lei natural como a fundação intelectual para seu pensamento político e moral.
Mas a separação de Ferguson entre a natureza biológica e a liberdade humana é uma falsa dicotomia. Uma explicação biológica da natureza humana não nega a liberdade humana se definimos esta liberdade como a capacidade de deliberação e escolha baseada nos próprios desejos. A ciência darwiniana mostra, por exemplo, que há diferenças naturais, na média, nas tendências comportamentais de homens e mulheres, e certamente conservadores estão certos ao afirmar que é tolice ignorar tais diferenças naturais entre os sexos nas políticas públicas. Ao contrário da esquerda, conservadores deveriam reconhecer – contrário a Ferguson – que seres humanos não são “seres autônomos” se isto significa estar completamente livre de sua identidade sexual natural.
Mais, a exortação de Ferguson para que os conservadores apoiem-se em “velhos mitos” como alternativa a ciência natural é um mau conselho sem dúvidas, porque isto confirmaria a reclamação dos esquerdistas de que o conservadorismo requer um compromisso irracional com mitos tradicionais sem fundamento na razão ou na natureza. Como Fukuyama, James Q. Wilson e outros conservadores darwinianos, eu argumentaria que os conservadores deveriam ver que as visões darwinianas sobre a natureza humana oferecem apoio científico a tradicional ideia de lei moral. Seres humanos são realmente animais naturalmente sociais e morais, e por isso podemos julgar a vida social conforme ela se adapta as necessidades e desejos naturais do animal humano. Lei natural não é um “mito”. É um fato racionalmente observável e cientificamente verificável.
No início deste ano, uma edição especial da National Review dedicou-se ao “Novo Século”. Charles Murray predisse: “A história da natureza humana como é revelada pela genética e pela neurociência será aristotélica em sua forma filosófica e conservadora em sua forma política.” Eu concordo, porque eu vejo os modernos estudos biológicos da natureza e da moralidade humana como uma continuação de uma tradição intelectual iniciada por Aristóteles que favorece uma visão conservadora da ordem social como algo enraizado nas propensões naturais humanas.
Aristóteles era um biólogo, e ele conclui de seus estudos biológicos do comportamento animal que toda a cooperação social surge, em última instância, como uma extensão dos impulsos naturais para a cópula sexual e do cuidado parental dos mais jovens. Tomás de Aquino continuou o raciocínio biológico aristotélico sobre ética defendendo sua idéia de “lei natural” ou “direito natural.” “Direito natural”, Aquino declarou, “é aquele que a natureza ensinou a todos os animais.” O acasalamento e o cuidado parental pertencem à lei natural porque são inclinações naturais que os seres humanos compartilham como alguns outros animais. E ainda que a racionalidade dos seres humanos os coloque aparte dos outros animais, a razão humana apreende inclinações naturais como a percepção de que o acasalamento e a paternidade são boas. Casamento como uma constituição de regras legais ou costumeiras é unicamente humano, Aquino indicou, porque tais regras requerem uma capacidade cognitiva para raciocínio conceitual que nenhum outro animal tem. Mas ainda assim, tais regras provém uma estrutura formal para desejos que estão fundamentalmente enraizados na natureza animal dos seres humanos.
Ainda que a idéia de direito natural seja comumente associada à filosofia moral católica, a mesma idéia pode ser encontrada no cristianismo protestante e no judaísmo. Tanto João Calvino quanto Martinho Lutero falam da lei natural como a lei moral escrita no coração dos seres humanos. No judaísmo, um ensinamento similar surge da antiga tradição rabínica da lei natural sob a forma das “leis noéticas” que Deus deu a Noé e seus descendentes, uma lei moral unindo toda a humanidade em virtude da universalidade da natureza humana. David Novak elaborou argumentos para este entendimento judaico em seu recente livro Natural Law in Judaism (Lei Natural no Judaísmo).
Adam Smith continuou nesta mesma tradição de naturalismo ético em sua Teoria dos Sentimentos Morais. Smith mostrou como a ética poderia estar enraizada em sentimentos morais da natureza humana e a inclinação natural para a empatia. Ainda que não possamos ter experiência direta dos sentimentos dos outros, Smith acreditava, podemos por empatia imaginar como nos sentiríamos em circunstâncias similares. Nos comprazemos não só em compartilhar os sentimentos dos outros, mas também em saber que eles compartilham dos nossos sentimentos. Formados para a vida social por natureza, os seres humanos nascem com um forte desejo de agradar e uma forte aversão a ofender seus companheiros humanos. Smith inferiu disso que somos inclinados a agir de tal forma que seríamos elogiados pelos outros. Julgamos a conduta dos outros como apropriada se ela se harmoniza como o que sentimos e fazemos nas mesmas circunstância, e do mesmo modo julgamos nossa conduta como apropriada se ela é tal que seria aprovada pelos outros.
Darwin em A Descendência do Homem adotou este ensinamento smithiano sobre a empatia e os sentimentos morais naturais no desenvolvimento de sua teoria biológica do senso moral como algo enraizado na natureza humana. Poucos anos atrás, o livro de James Q. Wilson’s The Moral Sense (O Senso Moral) mostrou como esta tradição aristotélica-smithiana-darwiniana do raciocínio moral tem sido confirmada por modernas pesquisas em ciências sociais. Ao unir a tradição filosófica do naturalismo ético de Aristóteles e Smith e a tradição científica do pensamento darwiniano sobre a natureza humanas, os conservadores poderiam basear seu pensamento político e moral no que eu chamei “direito natural darwiniano.”
Conservadores influenciados por Leo Strauss podem desaprovar esta ideia citando a afirmação de Strauss de que o direito natural aristotélico depende de uma visão teleológica do universo que é negada pela ciência moderna. Mas eu argumentaria que a teleologia de Aristóteles é primariamente biológica, e então a questão passa a ser se a teleologia é necessária para uma natureza viva. A teleologia biológica de Aristóteles não é uma teleologia cósmica, mas uma teleologia imanente, e esta teleologia imanente é confirmada pelo darwinismo. O princípio darwiniano de seleção natural explica a adaptação das espécies sem referência a quaisquer forças guiando a natureza para assegurar uma escala cósmica de perfeição. Assim, ainda que o processo evolutivo não sirva a propósitos, os organismos que dele emergem servem.
A biologia de Darwin não nega – aliás, reafirma – a teleologia imanente exibida na luta de cada ser vivo para atingir fins específicos de sua espécie. Reprodução, crescimento, alimentação, cura, cortejo, cuidado paternal sobre os mais jovens – estas e muitas outras atividades dos animais são orientadas a objetivos. Os biólogos não podem explicar tais processos a menos que se perguntem sobre seus fins e propósitos, e assim eles precisam buscar por “causas finais.” Ao defender a teleologia imanente aos fenômenos biológicos, concordo com Leon Kass que uma parte crucial de uma “ciência mais natural” seria um entendimento darwiniano da teleologia como algo enraizado no “propósito imanente e interno dos organismos individuais.” Explicar o direito natural como algo enraizado na natureza biológica do homem nos levaria ao que Strauss identificou como “ciência compreensiva”, uma ciência da natureza que inclui a luta ética da natureza humana como parte do mundo natural.
Adotar uma visão darwiniana da natureza e da ética humana traria benefícios tanto teóricos quanto práticos ao conservadorismo. O benefício teórico em um conservadorismo darwiniano é que a concepção aristotélica de direito natural enraizada no entendimento darwiniano da natureza humana proveria uma sólida base intelectual para o pensamento político conservador. Estranhamente, este ponto se torna claro se se lê o novo livro de Peter Singer, A Darwinian Left (Uma Esquerda Darwiniana). Singer reconhece que a esquerda tradicional rejeitou a idéia de uma natureza humana fixa e afirmou a maleabilidade e perfectibilidade da humanidade, porque a esquerda quis transformar radicalmente a vida humana mudando as condições sociais e econômicas que supostamente determinam a história humana. Como Ferguson, a esquerda tradicional assumiu que a história humana transcende a história natural. O colapso do regime marxista e outros regimes socialistas no século vinte pareciam confirmar, entretanto, a predição de Ludwig von Mises em 1922 de que o socialismo falharia porque é contrário à natureza humana. A resposta de Singer é tentar persuadir seus companheiros esquerdistas a adotarem a visão darwiniana da natureza humana. “Uma esquerda darwiniana,” ele explica, aceitaria “que há uma coisa chamada natureza humana, e buscar descobrir mais sobre ela, de modo que políticas possam estar baseadas nas melhores evidências disponíveis sobre como os humanos são.” Mas o esforço de seu argumento é claro quando ele confessa, “de certo modo, esta é uma visão bastante reduzida da esquerda, suas idéias utópicas substituídas por uma visão realista e fria do que pode ser alcançado. Ou seja, eu penso que é o melhor que podemos oferecer hoje.” De fato, o máximo que ele sugere como parte de sua “visão bastante reduzida da esquerda” seria aceitável para os conservadores, que sempre assumiram que a conformidade à natureza humana é um objetivo fundamental de uma boa política social. Sem perceber, Singer implicitamente demonstra como um entendimento darwiniano da natureza humana apoia a visão conservadora da ordem social.
Conservadores como Ferguson, que rejeitam uma fundação teórica na natureza humana, necessitam em última instância apelar para o “mito” como a base e fundamento do julgamento, o que leva pensadores conservadores como Richard Weaver a falar de coisas como o “sonho metafísico” da ordem transcendente como uma criação poética necessária a qualquer cultura. O perigo aqui é que o conservadorismo começa a parecer com um nietzscheanismo burkeano, no qual a ordem moral da sociedade requer tradições míticas como mentiras nobres que escondem a verdade feia do niilismo.
Conservadores religiosos podem se apoiar na lei moral de Deus como a fundação transcendente de seu conservadorismo; mas se eles não veem uma lei natural enraizada na natureza humana, eles não tem um terreno comum no discurso moral com o aqueles que não compartilham de sua fé religiosa em particular. David Novak disse que “a lei natural é aquela que faz o discurso moral judaico possível em um mundo intercultural.” O mesmo pode ser dito sobre o discurso moral dos católicos e protestantes.
O benefício prático de um conservadorismo darwiniano é que ele sustentaria o discurso conservador sobre as políticas públicas. Ainda que o darwinismo não possa prescrever políticas específicas, ele pode nos lembrar das propensões da natureza humana às quais qualquer política de sucesso deve se conformar. Considere, por exemplo, as questões das políticas associadas ao crime, à vida familiar, ao serviço militar. O crime violento é cometido sobretudo por homens jovens solteiros, portanto prever e controlar tais crimes depende do entendimento da natureza biológica dos homens jovens e necessidade universal em toda a sociedade de canalizar suas propensões masculinas para um comportamento socialmente aceitável. A estabilidade da vida familiar é fundamental para toda sociedade porque a dependência dos jovens em relação ao cuidado parental é uma característica natural do animal humano, e portanto toda boa sociedade deve regular o acasalamento, os laços conjugais, e relação parental à prole para assegurar os fins naturais da vida em família. Treinar para o combate militar é uma atividade predominantemente jovem e masculina, e as diferenças naturais no temperamento de homens e mulheres sempre impedirá qualquer tentativa de eliminar as diferenças sexuais no serviço militar. Ainda que circunstâncias culturais e históricas criem grande variabilidade nos padrões comportamentais em matéria de crime, vida familiar e serviço militar, as políticas conservadores devem reconhecer as inclinações naturais da biologia humana que limitam as escolhas políticas nestas áreas da vida.
Como Aristóteles e Darwin reconheceram, decidir tais questões práticas requer a prudência que pode determinar o que seria melhor para situações particulares em sociedades particulares. A biologia da natureza humana não é sobre as necessidades naturais que ocorrem em todos os casos, mas sobre propensões naturais que ocorrem na maioria dos casos. Um conservadorismo darwiniano portanto respeitaria a variabilidade nos assuntos humanos. E ainda assim a universalidade da natureza biológica humana permitiria a nós julgar divergentes políticas de ação pelo modo como elas nutrem os desejos e capacidades naturais dos seres humanos como animais sociais.
Podemos antecipar que o futuro trará maravilhosos avanços nos estudos científicos da natureza humana. Estes avanços virão de muitos campos da biologia, como a genética, a neurobiologia, o comportamento animal, a biologia do desenvolvimento, a teoria da evolução. Se o conservadorismo pretende permanecer intelectualmente vital, os conservadores devem mostrar que sua posição é compatível com esta nova ciência da natureza humana.
É por isso que os conservadores precisam de Charles Darwin.
Leia também: