Por Mark DeForrest. Publicado originalmente no The Imaginative Conservative. Tradução do inglês para o português por Renan Felipe dos Santos. Para ler o artigo original, clique aqui.
Alexander Hamilton é uma figura controversa na direita moderna. Conservadores de tendência mais libertária tendem a ver Hamilton com suspeita quando não aberta hostilidade, pois o veem como o Founding Father mais responsável pela popularização da abordagem expansiva da Constituição que eventualmente levaria a um aumento do poder do governo federal sobre os assuntos dos Estados e a economia da nação. Outros conservadores, talvez melhor exemplificados por David Brooks, veem Hamilton como um proponente, segundo uma frase do próprio Brooks, de um conservadorismo de “grandeza nacional”. A adoção por parte de Hamilton de um governo enérgico não o tornou uma ameaça ao desenvolvimento da América, pelo contrário, foi uma condição necessária para que a expansão e a prosperidade da América se tornasse possível. Como George Will uma vez pontuou, vivemos no país de Hamilton e seus monumentos estão ao nosso redor.
A disputa sobre o lugar de Hamilton dentro da tribo conservadora é um reflexo da natureza não-ortodoxa de Hamilton em abordar a política e o direito. Mesmo assim, a obra de Hamilton foi essencialmente conservadora em sua natureza, mesmo que muitos dentro dos círculos conservadores atuais sintam-se profundamente incomodados com boa parte do legado de Hamilton. A natureza conservadora da obra de Hamilton torna-se evidente no estudo feito sobre sua vida e influência pelo historiador de Princeton, Clinton Rossiter. O livro de Rossiter “Alexander Hamilton and the Constitution” ainda é um dos melhores estudos em profundidade sobre a abordagem de Hamilton à teoria política e constitucional.
Ainda que a política de Hamilton tenha sido frequentemente de um tipo único e peculiar (como diz Rossiter, “se Hamilton era um conservador, era o único do seu tipo”), nas obras de Hamilton uma abordagem genuinamente conservadora à política e questões da liberdade ordenada está presente. Como Rossiter aponta:
Ele adotava uma versão secular da doutrina do Pecado Original, valorizava muito a lei, a ordem e obediência, assumia e existência de classes e depositava uma mensurada confiança na classe dominante, falava sinceramente sobre o papel do sentido religioso no homem e da religião organizada na sociedade, e exibia a aprovação padrão do conservador à prudência.
Hamilton desprezava ideólogos, condenava a “gula por inovação”, e declarava-se mais propenso a “incorrer nas negativas inconviências do atraso do que nos estragos da expediência imprudente”. Sempre com o pé atrás com relação aos pregadores de uma “perfeição ideal”, certo de que ele nunca veria “uma obra perfeita de um homem imperfeito”, ele estava preparado para deixar muito ao acaso, e presumivelmente ao trabalho da prescrição e do processo social. Nunca foi tão eloquente como quando discutiu sobre o tema favorito do conservador: o caráter misto de todas as benesses que recaem sobre os homens. “A verdade é que”, escreveu a Robert Morris em 1781, “em assuntos humanos, não há algo bom, puro ou isento de mistura.” “É destino de tudo que é humano” palestrava à Rufus King em 1791, “diluir uma porção de mal com o bem.”
Diferente de Jefferson, que cativou-se com a Revolução Francesa, Hamilton entendeu imediatamente que a Revolução Francesa era nada mais que um sanguinolento ataque à própria idéia de ordem civilizada. Como nota Rossiter, “ele escreve exatamente como Burke ou Adams em seus ataques ao “Grande MONSTRO” por sua impiedade, crueldade e licenciosiadade, pela reprodução da anarquia que leva direto ao despotismo, pela sua sanha de mudança e assaltos à propriedade pela sua imposição da “tirania do jacobinismo, que confunde e nivela tudo por baixo.”
Ainda que pouco se duvide de que Hamilton sentiria-se incomodado com porções da retórica ideológica empregada pela direita moderna, o conservadorismo (confiados na observação de Russell Kirk) não é essencialmente um compromisso ideológico. É um compromisso com a tradição, a prescrição, o costume e a prudência, bem como uma convicção permanente nos princípios da religião e da justiça natural. Compare as visões de Hamilton, como explicadas por Rossiter acima, com a enunciação de Kirk da abordagem conservadora fundamental às questões de ordem política e legal. Há um entendimento entre Hamilton e Kirk. A apreciação de Kirk sobre a contribuição de Hamilton para o conservadorismo está em seu Portable Conservative Reader, que contém trechos da obra de Hamilton (e, curiosamente, nenhum da obra de Jefferson).
Isso não significa que Hamilton se sentiria em casa no Partido Republicano moderno —Rossiter aponta em seu estudo de Hamilton (impresso em 1964 durante a ascensão da ala Goldwater-Reagan do GOP) que “Hamilton não era um modelo para o conservador médio imitar”. Hamilton acreditava muito em um governo ativo, restrito por limites constitucionais mas livre para auxiliar o desenvolvimento do país através de melhorias internas e apoio à indústria americana, como Rossiter aponta. Em muitos assuntos —sua recusa em perpetuar a posição privilegiada dos agricultores escravocratas sulistas na incipiente república e seu compromisso com a industrialização da economia americana, para ficar em duas — Hamilton poderia abraçar uma posição radical também. Como Burke ou Lincoln, Hamilton é difícil de localizar em nossas categorias ideológicas —para citar Rossiter aqui, Hamilton tem a “habilidade de desafiar a classificação.” Mas como Burke e Lincoln, os princípios políticos fundamentais de Hamilton, seus instintos, eram conservadores.
Em uma época onde nosso país (EUA) encara uma polarização política crescente e uma crise econômica sem fim, uma maior apreciação dos elementos do conservadorismo que transcendem o teor ideológico do momento deveria levar aqueles na direita a estudar a visão e as idéias de Hamilton com olho atento.