A Guerra de Três Lados – Parte Final

No último artigo desta série sobre a Segunda Guerra Mundial analisaremos os regimes dos países do Eixo e dos Aliados com o propósito de demonstrar que a Segunda Guerra foi um conflito não bilateral como normalmente se apresenta, mas ao menos trilateral. A peça chave neste estudo é o comunismo soviético.

I. O primeiro lado: Aliados

Situação: Em sua maioria Estados nacionais já estabelecidos com regimes pluripartidários e parlamentos e regimes coloniais.

Aliados em sua máxima extensão, no auge da Segunda Guerra.
Aliados em sua máxima extensão, no final da Segunda Guerra.

Formas de governo: predominam as monarquias constitucionais, as repúblicas federativas e os governos coloniais. Há participação menor de governos fascistas ou análogos não alinhados ao Eixo como os de Getúlio Vargas (Brasil), Antônio de Oliveira Salazar (Portugal), Fulgêncio Batista (Cuba) e Chiang Kai-shek (China).

Ideologias predominantes: conservadorismo, social-democracia, social-liberalismo e colonialismo.

Localização: Europa Ocidental, América do Norte e colônias européias na África e na Ásia, posteriormente América Latina.

Membros mais notáveis: EUA, Inglaterra, França.
Membros menores: Austrália, Brasil, Nova Zelândia, Índia, China.

Resumo da atuação: Primeiramente, tenta conter o expansionismo alemão através da política de concessões. Declara guerra ao III Reich em 1939 quando este invade a Polônia. Alia-se à União Soviética em julho de 1941 em decorrência da invasão desta pelo III Reich. Declara guerra ao Japão no mesmo ano após o ataque a Pearl Harbor. Ao final do conflito divide a Alemanha com a URSS e deixa a parte leste sob domínio soviético.

II. O segundo lado: Eixo

Situação: Em sua maioria Estados nacionais já estabelecidos com governos fascistas instaurados no período entre guerras. No caso do III Reich, Estado totalitário implantado a partir de 1933 e no caso do Japão, regime absolutista vigente desde 1926.

Eixo em sua máxima extensão, no auge da Segunda Guerra.
Eixo em sua máxima extensão, no auge da Segunda Guerra.

Formas de governo: predominam os Estados Corporativos, as monarquias constitucionais e as ditaduras totalitárias, bem como o absolutismo nacionalista japonês. Também instauraram Estados-fantoche republicanos e apoiaram movimentos independentistas em colônias dos países Aliados.

Ideologias predominantes: integralismo, fascismo, nacional-socialismo e absolutismo.

Localização: Europa Central e Ocidental, Sudeste Asiático.

Membros mais notáveis: III Reich, Itália, Japão.
Membros menores: Romênia, Hungria, Tailândia.

Resumo da atuação: Primeiramente, tenta expandir seu território e influência através de demandas diplomáticas. Depois, estabelece um pacto com a União Soviética dividindo a Europa em áreas de influências, dividindo a Polônia. Invade a Polônia em 1939 e entra em guerra declarada com os Aliados na Europa Ocidental, obtendo uma vitória decisiva que obriga a retirada dos Aliados do continente. Tenta invadir a Inglaterra a partir de 1940, sem sucesso. Sem previsão de avanços no Oeste, uma ofensiva no Leste começa em 1941 violando o Pacto estabelecido 2 anos antes com a URSS. Após uma grande e violenta expansão em território soviético, sucessivas derrotas comprometem o avanço e forçam um recuo que só terminará em Berlim com a derrota do Eixo.

III. O terceiro lado: Comunistas

Situação: Regime soviético unificado instaurado em 1922 a partir da união das repúblicas soviéticas transcaucausiana, russa, ucraniana e bielo-russa. Movimentos comunistas marginais na Europa e na China. Ganhos contínuos de território na China até o fim da Guerra Civil Chinesa em 1949 e na Europa até a instauração dos governos socialistas do “Bloco do Leste” (Polônia, Romênia, Húngria, Bulgária, Iugoslávia, Tchecoslováquia, Albânia e Alemanha Oriental).

Comunistas em sua máxima extensão, no auge da Guerra Fria. O expansionismo soviético continuou através de guerras de procuração na Coréia, no Vietnã e em Cuba.
Comunistas em sua máxima extensão, no auge da Guerra Fria. O expansionismo soviético continuou através de guerras de procuração na Coréia, no Vietnã e em Cuba.

Formas de governo: predomina a ditadura socialista aos moldes soviéticos.

Ideologias predominantes: marxismo-leninismo e maoísmo.

Localização: Europa Oriental, Ásia.

Membros mais notáveis: União Soviética.
Membros menores: Comunistas chineses, partisans.

Resumo da atuação: Primeiramente, tenta expandir seu território e influência através de suporte a movimentos comunistas estrangeiros. Depois, estabelece um pacto com o III Reich dividindo a Europa em áreas de influências, dividindo a Polônia. Invade a Polônia em 1939 e inicia a invasão da Finlândia no mesmo ano, que não avançará significativamente até 1940. Com a invasão do III Reich em 1941, busca aliança com a Inglaterra e depois com os EUA. Após sofrer grandes baixas e perdas de território para a ofensiva alemã, a reação soviética começa a impor duras derrotas e avançar para o Oeste em direção à Alemanha. Com a derrota do III Reich, a Alemanha é dividida entre os Aliados e a URSS e a Europa Oriental é submetida a governos-satélite de Moscou e aliados comunistas como Enver Hoxha na Albânia.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a atuação comunista chinesa continuará até a sua vitória na Guerra Civil Chinesa em 1949. No Sudeste asiático os movimentos comunistas continuarão avançando e estabelecendo Estados comunistas com apoio sino-soviético no norte do Vietnã e da Coréia.

Conclusões

A partir da análise das políticas adotadas pelos principais envolvidos neste grande conflito histórico, podemos chegar às seguintes conclusões:

Sobre os Aliados

1. Ao contrário do Eixo ou dos Comunistas, as potências Aliadas não tinham um plano ou agenda política universal a ser posto em prática na sua área de influência. Não havia uma ideologia, forma de governo ou política econômica que se pretendia implantar nos países vizinhos. A maioria deles já estava bem estabelecido.

2. A aliança entre diversas nações na luta contra o Eixo foi muitas vezes ambígua e meramente casual, como ilustram os membros fascistas e socialistas no bloco Aliado. O que difere o fascista no lado Aliado do fascista no lado do Eixo ou do socialista no seu próprio bloco é que este não tem um projeto de poder expansionista, por mais ditatorial que seja o seu governo.

3. Os aliados tiveram que lutar contra o imperialismo japonês na Ásia e ao mesmo tempo conter os sentimentos independentistas nas suas colônias. De um certo modo, foi a própria estrutura colonial européia que fomentou o colaboracionismo com o invasor japonês.

Sobre o Eixo

1. Concebido inicialmente como uma aliança anti-comunista no Pacto Anti-Comintern (Antikominternpakt) de 1936  entre o III Reich e o Império do Japão, o Eixo acabou convertendo-se em uma mera aliança militar para apoiar os propósitos expansionistas destes dois países. A Itália assinaria o pacto um ano depois. O Pacto seria revisado em 1941, quando contaria com a adesão de diversos outros aliados e satélites da Alemanha, da Itália e do Japão.

2. O III Reich violou os termos do Antikominternpakt ao assinar secretamente o Pacto Ribbentrop-Molotov com a URSS. Qualquer negociação territorial com a URSS era vetada pelo pacto anterior. Havia um flagrante conflito de interesses entre os próprios membros do Eixo, não raramente um tentando obter territórios do outro ou violando sua soberania, como foi o caso da Hungria e da Romênia.

3. Assim como houveram fascistas do lado Aliado, algumas nações sem governo análogo ao fascismo ou ao nacional-socialismo buscaram o apoio do Eixo para defender-se ou do expansionismo soviético, ou de guerrilhas comunistas ou para buscar sua independência, ou mesmo apenas para industrializar-se. Exemplos incluem a Finlândia, que buscou na Alemanha o seu apoio contra a invasão soviética, a China que cooperou com a Alemanha até 1941 e inúmeros grupos separatistas e independentistas na Ásia que buscaram apoio alemão ou japonês para se livrar do domínio da metrópole britânica, francesa, holandesa, etc.

Sobre os Comunistas

1. Os soviéticos tinham seu próprio projeto de expansão no Leste Europeu e na Ásia. O projeto de expansão no Leste Europeu foi facilitado pelo Pacto Ribbentrop-Molotov, ao passo que o projeto de expansão na Ásia foi atrasado pela resistência dos nacionalistas chineses e pela invasão japonesa. O projeto seria retomado após a estabilização da China comunista, que apoiará guerras de procuração no Vietnã e na Coréia.

2. Desde antes da Segunda Guerra, socialistas chineses tentavam derrubar o governo nacionalista de Chiang Kai-Shek, o que seria concluído em 1949. Um ano depois a China invadirá o Tibet. A nova China comunista buscará relações estáveis com a URSS que se manterão pelo menos até 1960.

3. Com o fim da Segunda Guerra, a URSS manterá o domínio sobre os territórios “libertados”  da ocupação nacional-socialista sob a forma de Estados-satélite ou zonas de influência no Leste Europeu. Outras forças socialistas instalarão governos próprios na Albânia e na antiga Iugoslávia. A porção oriental da Alemanha se manterá sob domínio comunista até 1990. Seu expansionismo continuará após a Segunda Guerra, o que gerará o conflito com os antigos Aliados (agora OTAN) e engendrará uma série de guerras de procuração durante a Guerra Fria.


Leia também:

A Guerra de Três Lados – Parte IV

Está lá nas cartilhas do colégio: as potências que compunham o Eixo eram Alemanha, Itália e Japão. O termo designa os principais signatários do Pacto Tripartite de 1940 que foi assinado um ano depois do início da Segunda Guerra Mundial. O Pacto foi assinado mais tarde também por outras nações como Hungria, Romênia e outros governos de inspiração fascista que já antecipavam o conflito iminente com os comunistas. Posteriormente integradas ao Eixo, à marra, foram as nações ocupadas pelos nacional-socialistas – como a Holanda – e governos colaboracionistas – como o da França. Incluem-se aí também inúmeros Estados-fantoche.

O que é que França, Holanda e Inglaterra tinham em comum, além de estarem sob assédio militar da Alemanha Nacional-Socialista? Todas estas nações possuíam colônias na Ásia. E estas colônias interessavam muito ao Japão, fosse por causa dos recursos ou por causa de sua posição estratégica. Em vez de aproveitar a aproximação diplomática com as metrópoles pró-Eixo, o Japão preferiu invadir as colônias e favorecer aliados na região.

Ásia II – Índia, Indochina e Pacífico

1. Invasão japonesa à Indochina Francesa (1940-1945)
Para evitar que a República da China importasse armas ou combustível através da Indochina Francesa, os japoneses invadiram este país em setembro de 1940, embora ele fosse uma colônia da França de Vichy, pró-Eixo.

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As tropas japonesas, no início de 1940, estavam se movendo para cercar Longzhou (na China), onde um braço da estrada de Hanoi alcançava a fronteira. A resistência chinesa, abastecida desde a Indochina, foi férrea.

Então, em 22 de junho, a França assinou um armistício com o III Reich, aliado do Japão no Eixo. Isto estabeleceu o governo pró-Eixo da França, a “França de Vichy”, no território francês não ocupado militarmente. Este governo pró-Eixo controlava as posses ultramarinas francesas, incluindo a Indochina.

Com a captura de Longzhou, restava livre a ferrovia que supria Yunnan. O Japão pressionou Vichy para fechá-la, mas não obteve sucesso. Por isso, os japoneses prepararam uma invasão à Indochina. Ante a ameaça, a França cedeu: assinou um acordo garantindo ao Japão o direito de estacionar e movimentar tropas e suprimentos em território indochinês, embora com limitações, prontamente violadas. Isso colocou Vichy e Japão em oposição na Batalha de Lang Son: tropas coloniais francesas e da Legião Estrangeira enfrentaram o Exército Imperial Japonês até 25 de setembro do mesmo ano. A vitória japonesa abriu caminho para Hanoi, mas Vichy ainda possuía defensores. Os conflitos continuaram, envolvendo combate aéreo e marítimo no Golfo de Tonquim e bombardeios em Haiphong, enquanto Vichy buscava negociação com o Japão.

O Japão acabou ocupando o norte da Indochina, restringindo ainda mais seu bloqueio contra a China, e ali permaneceu até o fim da Segunda Guerra Mundial.

2. Guerra Franco-Tailandesa (1940-1941)
Conflito entre a Tailândia e a França de Vichy sobre certas áreas da Indochina Francesa que pertenceram à Tailândia no passado. Após a Queda da França em 1940, o Major-General Plaek Phibunsongkhram (“Phibun”), o primeiro ministro da Tailândia, decidiu que a derrota da França deu aos tailandeses uma outra chance de recuperar territórios perdidos.

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A ocupação da metrópole francesa pela Alemanha tornou o controle das possessões ultramarinas francesas uma tarefa mais complicada: a administração colonial, isolada, não podia obter suprimentos ou ajuda externa. Após a invasão da Indochina pelos japoneses, em setembro de 1940, os franceses foram forçados a permitir a instalação de bases militares japonesas. Isto deixou claro para o regime de Phibun que a França de Vichy não resistiria a um confronto com a Tailândia, que era relativamente bem equipada.

O conflito, que durou cerca de oito meses, foi encerrado por um cessar-fogo mediado pelos japoneses com resultado positivo para a Tailândia: os territórios disputados na Indochina Francesa foram cedidos.

Posição Política da Indochina Francesa

A Indochina Francesa era mantida como uma colônia de exploração da França. Logo após a Queda da França em 1940, assumiu como governador-geral o militar Jean Decoux, leal ao regime colaboracionista de Pétin.

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Philippe Pétain

O regime de Pétain, a “França de Vichy”, era um Estado-fantoche do III Reich, não menos autoritário. Sua soberania só se estendia sobre as zonas livres que não haviam sido ocupadas militarmente pelos alemães durante a invasão da França, o que incluia as colônias na Ásia e na África. No entanto, em novembro de 1942 também a “zona livre” seria ocupada militarmente e portanto supervisionada de perto pelos alemães.

 

Marechal Pétain colaborou com as forças de ocupação alemãs, inclusive ajudando a perseguir judeus e outros inimigos políticos. As forças militares coloniais francesas se opuseram ativamente aos Aliados, mas um conflito de interesses entre o Japão e a França de Vichy acabou por colocar ambos em guerra.

Encerrada a Segunda Guerra Mundial em 1945, a França pediu a anulação do Tratado Franco-Siamês de 1938 e tentou reassumir sua posição na região, mas entrou em conflito com o Viet Minh, uma coalização de comunistas e nacionalistas vietnamitas sob liderança de Ho Chi Minh. O Viet Minh obtivera apoio dos EUA durante a Segunda Guerra para combater os japoneses e era a guerrilha dominante nas zonas rurais.

Com a inviabilização diplomática, para a França, de reaver suas colônias perdidas, esta desistiu do conflito. Como resultado, a Indochina foi particionada em três estados independentes (Camboja, Laos e Vietnam). Estes ainda viveriam muitos conflitos militares consecutivos na Guerra Fria – as duas Guerras do Vietnã – devido a atuação de guerrilhas comunistas. De uma forma ou de outra, todos os países que compunham a península da Indochina acabaram caindo sob regimes comunistas.

3. Ocupação da Tailândia (1941-1945)
Confrontos esporádicos entre forças tailandesas e francesas irromperam ao longo da fronteira leste da Tailândia em outubro de 1940, e culminaram com a invasão ao Laos e ao Camboja em janeiro de 1941. Ainda que as forças francesas tenham sofrido nos combates em terra, sua marinha obteve uma vitória esmagadora sobre a principal frota tailandesa em Koh Chang, obrigando os japoneses a intervir e mediar o conflito.

Japanese Occupation of Thailand 1941

Apesar da mediação ter garantido conquistas territoriais para o regime tailandês, o seu desejo por mais se viu impedido por um Japão simpático ao regime francês pró-Eixo.  Os interesses militares dos japoneses na região, no entanto, não poderiam ser satisfeitos sem o acesso a portos estratéticos e o posicionamento de tropas. Assim, em dezembro de 1941 o Japão invadiu a Tailândia e, após poucas horas, venceu a batalha e ocupou o país.

Com a assinatura do armistício tailandês com o Japão, as esperanças inglesas de obter uma aliança com a Tailândia desapareceram. O país seria usado como base de operações japonesas para invadir a Malásia e a Singapura. A partir de então, uma aliança formal entre Tailândia e Japão entrou em vigor, com o primeiro oferecendo inclusive tropas para a campanha na Birmânia e declarando guerra aos EUA e ao Reino Unido.

Posição Política da Tailândia

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Plaek Phibunsongkhram

No início da Segunda Guerra, a Tailândia era regida por um governo autoritário. Seu primeiro-ministro era Plaek Phibunsongkhram, um oficial militar que nutria admiração pelo fascismo e pelo rápido desenvolvimento nacional que este parecia oferecer. Consequentemente, Phibun cultivou e intensificou o militarismo e o nacionalismo e construiu um verdadeiro culto à sua personalidade usando modernas técnicas de propaganda. O irredentismo também era uma bandeira, tipicamente francofóbica, que tinha como objetivo a restauração de territórios no Camboja e no Laos.

 

Buscando apoio contra a França e confrontada com a oposição americana e a hesitação britânica, a Tailândia buscou ajuda japonesa no confronto com a Indochina Francesa.

O Japão usou sua influência no regime de Vichy para obter concessões à Tailândia. A recuperação destes territórios e a aparente vitória do regime sobre uma potência colonial européia aumentaram a reputação de Phibun. Como o regime tailandês não se contentava com o que obteve, acabou gerando um distanciamento na sua relação com o Japão que, a esta altura, buscava fortalecer suas relações com o regime de Vichy na França colaboracionista. Este desgaste levaria à ocupação do país pelos japoneses.

4. Invasão da Malásia Britânica (1941-1942)
Conflito iniciado logo após o ataque a Pearl Harbor, é considerado a primeira grande batalha da Guerra do Pacífico. Opôs o Exército Britânico Indiano e a Austrália ao Império do Japão na região da Kota Bharu, Malásia.

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A região da Malásia era uma importante base de operações para a Royal Air Force (RAF) britânica e para a Royal Australian Air Force (RAAF) da Austrália, e portanto de grande importância estratégica. Apoiado pela Tailândia e por facilidades obtidas na Indochina através da conivência do regime de Vichy, o Japão pretendia agora usar o território tailandês para atacar a  Malásia.

Com o sucesso da operação, a Tailândia também enviou suas tropas para ocupar os estados malaios de Perlis, Terengganu, Kedah e Kelantan, sob controle britânico desde o Tratado Anglo-Siamês de 1909. Ao fim da primeira semana de janeiro de 1942, toda a região norte da Malásia já havia sido tomada pelos japoneses, enquanto Tailândia e Japão assinavam um Tratado de Amizade para consolidar sua aliança militar.

Em meados de janeiro, os japoneses já haviam alcançado o estado malaio sulista de Johore, onde enfrentaram oposição da 8ª Divisão Australiana. Em 31 de janeiro as últimas forças aliadas organizadas deixaram a Malásia e explodiram a ponte que ligava Johore a Singapura.

Em menos de dois meses, a Batalha da Malásia terminou com a derrota das forças da Commonwealth e sua retirada da península da Malásia para os fortes da Singapura. Os japoneses invadiriam a ilha de Singapura em 7 de fevereiro e completariam a conquista da ilha no dia 15 do mesmo mês.

Posição Política da Malásia

A Malásia Britânica compreendia, na época, um conjunto de Estados na península malaia e na ilha de Singapura que foram colocadas sob controle britânico entre os séculos XVIII e XX. O termo frequentemente é usado para se referir aos estados malaios sob governo indireto britânico bem como aos Estabelecimentos dos Estreitos. O território todo estava dividido em três tipos de administração colonial.

Os Estados Malaios Federados, que compreendiam Selangor, Perak, Negeri Sembilan e Pahang foram estabelecidos pelo governo britânico em 1895. O Reino Unido era responsável pelos assuntos externos e pela defesa da federação, enquanto os estados continuavam responsáveis pelas políticas domésticas. Cada um destes estados era administrado por um residente britânico. À época da invasão japonesa, Norman Rowlstone Jarett era o residente de Selangor, Marcus Rex era o residente de Perak, John Vincent Cowgill era o residente de Negeri Sembilan e C. C. Brown o residente de Pahang.

Os Estados Malaios não Federados compreendiam outros cinco protetorados britânicos na penínusla da Malásia: Johor, Kedah, Kelantan, Perlis e Terengganu. Não tinham instituições comuns e não formavam um estado único na lei internacional. Os quatro estados de Kelantan, Terengganu, Kedah e Perlis, obtidos do Sião pelos britânicos em 1909, foram temporariamente devolvidos aos tailandeses com a ajuda dos japoneses.

Os Estabelecimentos dos Estreitos compreendiam quatro territórios britânicos na região: Malaca, Penang, Singapura e Labuan. Eram colônia da Coroa e portanto respondiam diretamente ao Colonial Office em Londres, em vez do governo indiano sediado em Calcutá. Seu último governador geral foi Sir Shenton Thomas, feito prisioneiro quando da ocupação japonesa de Singapura.

A Malásia, ao contrário de outras regiões ocupadas pelo Japão, não teve Estados-fantoche estabelecidos. Foi mantida sob administração militar japonesa, com exceção dos estados do norte que foram reincorporados à Tailândia.

5. Invasão de Bornéu (1942)

A campanha japonesa na ilha de Bornéu se concentrou na vitória sobre o Reino de Sarawak, Bornéu do Norte e a parte ocidental de Kalimantan, que era parte das Índias Orientais Holandesas.

Em 1941, Bornéu estava dividida entre as índias Orientais Holandesas, protetorados britânicos (Bornéu do Norte, Sarawak e Brunei) e uma colônia da coroa britânica (Labuan).

Posição Política de Bornéu

Charles Vyner Brooke the last white rajah
Charles Vyner Brooke, o último rajá branco

Os chamados “rajás brancos”, da família Brooke, estavam no comando de Sarawak a quase um século sob o Sultanato de Brunei, e desde 1888 como protetorado do Império Britânico. No momento da invasão japonesa estava no governo o terceiro (e último) rajá branco: Charles Vyner Brooke. Quando da invasão, estava visitando a Austrália e lá permaneceu até que pudesse retornar ao seu reino – ocupado pelos japoneses até 1945 -somente para abdicar no ano seguinte e incorporar seu país à coroa britânica.

 

Bornéu do Norte era, desde 1882, outro protetorado britânico. Sua administração – com exceção da política externa – estava nas mãos da North Borneo Chartered Company, uma companhia majestádica submetida à coroa britânica. O país foi ocupado pelos japoneses de 1942 a 1945, e depois de libertado pelas tropas aliadas permaneceu sob administração militar britânica até que fosse reincorporado à administração colonial.

O resto da ilha, conhecido como Kalimantan, estava sob domínio holandês.

6. Invasão das Filipinas (1941-1942)

A invasão das Filipinas iniciou em 8 de dezembro de 1941 dez horas depois do ataque de Pearl Harbor. Assim como no ataque de Pearl Harbor, as aeronaves americanas foram severamente danificadas no ataque inicial japonês: com pouca cobertura, a Frota Asiática Americana nas Filipinas se retirou para Java quatro dias depois do início do conflito. A rendição das últimas tropas filipinas e americanas em Bataan ocorreu em 9 de abril de 1942.

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O Japão ocupou as Filipinas por três anos até sua rendição no fim da guerra. Uma efetiva campanha de guerrilha das forças de resistência das Filipinas controlova sessenta porcento das ilhas, sobretudo áreas de selva e montanha. O general MacArthur as supria via submarino, enviando também reforços e oficais. Os filipinos se mantiveram leais aos Estados Unidos, parcialmente por causa da garantia de independência dada pelos americanos.

Posição Política das Filipinas

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Manuel Luis de Quezón y Molina, presidente à época da invasão japonesa.

Estabelecida em 1935, a Commonwealth das Filipinas era um Estado em comunidade com os Estados, porém com governo próprio. Durante sua década de existência, a Commonwealth possuía um forte executivo e uma Suprema Corte. Sua legislatura, primeiramente unicameral e posteriormente bicameral, era dominada pelo Partido Nacionalista, conservador de centro-direita. Seu primeiro e único presidente foi Manuel Luis Quezón y Molina, que a governou por nove anos, dois dos quais (1942-1945) em exílio.

 

 

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José Paciano Laurel y García, presidente do Estado-fantoche japonês, a Segunda República Filipina.

Quando os japoneses invadiram, instauraram um Estado-fantoche denominado Segunda República Filipina. A Commonwealth foi dissolvida e uma Comissão Executiva Filipina foi instaurada como governo, tendo Jorge B. Vargas (o prefeito da capital, Manila) como presidente. Formou-se então o KALIBAPI (sigla para “Organização a Serviço das Novas Filipinas”) pela Proclamação No. 109 da Comissão Executiva Filipina que ao mesmo tempo bania todos os partidos políticos então existentes. O Partido Ganap, pró-japonês, foi absorvido pelo KALIBAPI, que preparou a Constituição do novo Estado. O primeiro e único presidente desta república autoritária de partido único foi José P. Laurel, que apesar de ser considerado por muitos como um colaboracionista e traidor, obteve apoio popular nas eleições do pós-guerra.

7. Invasão da Indonésia (1942-1945)
Os japoneses ocuparam a Indonésia, então conhecida como Índias Orientais Holandesas, de março de 1942 até sua rendição em 1945. Este foi um dos períodos mais críticos da História da Indonésia. Sob ocupação alemã, a Holanda tinha pouca capacidade para defender sua colônia contra o exército japones, e em menos de três meses após os primeiros ataques em Bornéu o exército e a marinha japonesa venceram as forças aliadas e holandesas.

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Entre 1944 e 1945, as tropas aliadas optaram por contornar a Indonésia, não entrando em partes mais populosas como Java e Sumatra. Por isso, a maior parte da Indonésia ainda estava sob ocupação japonesa quando o Império Japonês se rendeu em agosto de 1945.

A ocupação foi o primeiro desafio sério aos holandeses na Indonésia e acabou com seu governo colonial na região. Esta ocupação causou mudanças tão numerosas e profundas que tornou possível a Revolução Indonésia, impensável apenas três anos antes. Ao contrário dos holandeses, os japoneses facilitaram a politização dos indonésios até mesmo nos vilarejos. Particularmente em Java, e em menor extensão em Sumatra, os japoneses educaram, treinaram e armaram jovens indonésios e deram voz política para seus líderes nacionalistas. A ocupação, portanto, criou as condições para a independência da Indonésia, declarada dias após a rendição japonesa no Pacífico. A Holanda tentou reaver as ‘Índias’, mas um conflito social, militar e diplomático de cinco anos acabou resultando no reconhecimento da soberania indonésia em dezembro de 1949.

Posição Política da Indonésia

Colônia holandesa desde o fim do século XVIII, a Indonésia era parte do território denominado Índias Orientais Holandesas. A ordem social colonial se baseava em rígidas estruturas sociais e raciais com uma elite holandesa vivendo separada do restante dos nativos.

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Sukarno

As políticas e estratégias coloniais eram de responsabilidade do Ministério das Colônias sediado em Hague. No século XX a colônia se desenvolveu gradualmente como um estado distinto da metrópole: em 1922 a colônia foi posta em pé de igualdade com a Holanda na Constituição, ainda que permanecesse sob o Ministério das Colônias. Mesmo com a introdução de um Conselho Popular (Volksraad) em 1918, a participação de nativos era muito restrita. Apesar das decisões serem tomadas pelo governo holandês, o governador-geral deveria consultar a Volksraad sobre questões mais importantes. O Volksraad foi dissolvido em 1941 pelas forças de ocupação japonesa.

A Holanda havia sido invadida pelo III Reich em 1940 e estava sob um regime de ocupação. Ainda assim declarou guerra ao Japão tão logo este invadiu suas colônias. Porém, as Forças Livres Holandesas – compostas por remanescentes da Marinha Real Holandesa e do Exército Real das Índias Orientais Holandesas – continuaram a luta ao lado dos Aliados (americanos, britânicos e australianos).

Com o fim da Segunda Guerra e da ocupação japonesa em 1945, ocorre a Revolução Nacional Indonésia, conflito que opõe movimentos independentistas e nacionalistas indonésios às forças coloniais holandesas e seus aliados britânicos. O líder da Indonésia independente seria uma figura nacionalista expressiva, já em formação desde a ocupação japonesa (com a qual colaborou): Kusno Sosrodihardjo, o Sukarno.

8. Ocupação da Birmânia (1942-1945) e Invasão à Índia (1944)
O Japão decidiu invadir a Birmânia, então possessão do Império Britânico, para obter recursos naturais como petróleo e cobalto, mas também para proteger o seu flanco no ataque à Malásia e Cingapura.

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Um fator adicional foi  a finalização da Estrada da Birmânia em 1938, que ligava o país à província chinesa de Yunnan. Esta estrada era usada para levar apoio e munição às forças nacionalistas chinesas que combatiam os japoneses. Por isto, os japoneses precisavam cortar esta rota de suprimentos.

Os japoneses ocuparam o norte da Tailândia, que possuíam um tratado de amizade com o país desde 1941 e daí atacariam a Birmânia pelo sul. Depois do sucesso inicial na invasão e ocupação do território em 1942, os japoneses e seus aliados (birmaneses e indianos colaboracionistas) conseguiram defender este território das investidas Aliadas (EUA, Império Britânico e República da China) até 1944, ano em que o Japão tentou, sem sucesso, invadir a Índia – também possessão britânica. Após perder batalhas em Imphal e Kohima, os japoneses gradualmente perderam este território para as ofensivas Aliadas.

Política da Índia

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Archibald Wavell, o último governador-geral e vice-rei da Índia.

O subcontinente da Índia, que incluia o Paquistão e a Birmânia, caiu sob domínio britânico em 1858 e foi administrado como uma colônia britânica até sua independência em 1947. Quando do início da Segunda Guerra Mundial, as tensões sociais geradas no país quase culminaram em uma guerra separatista, uma vez que nesta mesma época não só os hindus buscavam mais autonomia como os muçulmanos do país tentavam obter o status de estados independentes, o que seria obtido em 1947 com a separação do Paquistão. Entre 1936 e 1943 foi governada pelo governador-geral e vice-rei da índia, o Segundo Marquês de Linlithgow, Victor Alexander John Hope, sucedido no cargo pelo marechal de campo e Primeiro Conde Wavell, Sir Archibald Percival Wavell, que governou até a independência do país em 1947.

Estima-se que mais de dois milhões de indianos prestaram serviço militar voluntário no Exército Britânico, desempenhado grande papel em numerosas campanhas, especialmente no Oriente Médio e no Norte da África.

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Subhas Chandra Bose

Por outro lado, uma força nacionalista, emancipacionista e pró-japonesa também existia: era o Exército Nacional Indiano formado em 1942 por ex-prisioneiros de guerra capturados pelos japoneses na Malásia e em Singapura. Este exército era também parte de um governo nacionalista provisório em exílio, o Azad Hindi ou Governo Provisório da Índia Livre, apoiado pelo Japão e sediado na Singapura ocupada. Seu líder era Subhas Chandra Bose, um nacionalista que recorreu ao III Reich, à União Soviética e ao Império do Japão para obter apoio à sua causa: a expulsão dos britânicos e a independência da Índia.

Em 1942, uma missão britânica (a Missão Cripps) se encarregou de assegurar a cooperação de nacionalistas indianos no esforço de guerra em troca de uma prometida independência após o fim da guerra. No mesmo ano, seria lançado o movimento “Quit India” (saia da índia) que exigia a imediata retirada dos britânicos da índia sob ameaça de massiva desobediência civil. A repressão política não tardou a colocar milhares de pessoas na cadeia até pelo menos 1945: o país se viu atordoado por protestos violentos de estudantes e camponeses, rapidamente contidos pelo Exército Britânico. Nada disso, no entanto, parece ter reduzido os esforços de guerra britânicos.

01/00/1998. File pictures of Mahatma Gandhi
Mahatma Gandhi

Durante o longo processo político que culminou com a independência do país, um nome se destaca. Exercendo ativismo político pacífico, mas radical, Mahatma Gandhi é talvez o indiano mais conhecido ao redor de todo o mundo: suas marchas e protestos contra o colonialismo no país já eram conhecidas desde a década de 30. Manteve sua posição pró-independência mesmo no auge da Segunda Guerra, em 1942, quando chegou a ser preso por dois anos.

No final de 1945 a Inglaterra ofereceria à India uma limitada autonomia dentro do Império Britânico, prontamente rejeitada. Em 1946, motins explodiriam entre os militares em Bombay, Calcutá, Madras e Karachi, sendo rapidamente reprimidos. As tensões levariam o governo trabalhista britânico a agir mais rápido, convocando novas eleições na Índia e agilizando o processo de independência. Conforme as tensões entre hidus e muçulmanos cresciam, Jawaharlal Nehru assumiu o governo interino como primeiro ministro.

Em 1947 os britânicos transferiram o poder sobre o país para o governo local, não sem antes mediar a partição do país entre hindus, sikhs e muçulmanos, separando o Paquistão do restante do país. Em áreas fronteiriças, no entanto, os conflitos religiosos perdurariam.

Política da Birmânia

DrBaMaw
Ba Maw

Os britânicos mantiveram a Birmânia como uma província da Índia, também sua colônia, desde 1886 até 1937 quando o país recebeu uma nova constituição e uma assembléia própria. Embora ainda fosse uma colônia britânica, possuía mais autonomia do que quando era uma província.

O país foi governado pelo primeiro-ministro Ba Maw até 1940. Ba Maw, do “Partido do Homem Pobre”, se opunha à participação da Grã-Bretanha e, por extensão, da Birmânia na Segunda Guerra Mundial. Por este motivo, foi preso por sedição em 1940. Quando o país foi invadido pelo Japão em 1942, Ba Maw foi libertado pelos japoneses e posto na administração provisória do território.

Em 1943, o Império do Japão estabeleceu um Estado-fantoche, o Estado da Birmânia. Ba Maw, ex-premiê da colônia, foi feito chefe de Estado nominal. A promessa era de independência para a Birmânia ao final da guerra, o que não se concretizaria sob o mando japonês que se retirou em 1945, o que levaria o Estado-fantoche ao colapso.

Conclusão:
O Império Japonês foi muito mais hábil que as outras potências do Eixo ao mobilizar forças nativas contra os Aliados porque contava com o sentimento anticolonialista de diversos grupos asiáticos vivendo sob mando francês, britânico, holandês, etc. A sua “Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental” oferecia uma alternativa de independência aos regimes coloniais e foi de fato muito atrativa para diversos movimentos nacionalistas que viam na aliança com o Japão – a primeira e única superpotência asiática capaz de enfrentar e vencer os ocidentais – a oportunidade de engrandecer suas nações e se livrar de uma história humilhante de submissão ao estrangeiro.

Por isto, o Japão estabeleceu muito mais Estados-fantoches que as potências do Eixo na Europa: para os países da Ásia, a simples oportunidade de ter um autogoverno limitado por uma potência asiática era um grande avanço com relação ao governo colonial sediado na Europa. Como o colonialismo é propício para acender os ânimos nacionalistas, a Commonwealth britânica vivia sob o perigo constante de ter suas colônias arrebatadas por algum movimento nacionalista e independentista que as colocasse nas mãos do Japão, e a situação não era muito diferente para a França ou a Holanda.

Ao contrário do que se pensa, o Japão cometeu falhas mais insensatas do que outras potências do Eixo. Por não ter articulado suas ações com os regimes pró-Eixo da França e da Holanda – potenciais aliados em manobras militares contra britânicos, americanos e chineses – guerreou contra forças coloniais que poderiam ser suas aliadas. Uma falha maior do que as trapalhadas italianas na África, mas que não impediu o Japão de manter-se em guerra até mesmo depois da rendição da Alemanha.


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Por que a Suécia não está quebrada?

A Suécia é um país que levanta grandes dúvidas econômicas. Afinal, o que existe lá? Capitalismo, socialismo, uma mistura de ambos? Muitas pessoas já sabem que lá o governo executa diversas ações na sociedade, o que acaba gerando essa primeira dúvida. Mas além disso, se o governo é tão presente (incluindo muitos gastos), por que, diferente de países como Grécia e Espanha, a Suécia não está atolada em crises?

Do século XIX à década de 1930

A Suécia acaba sendo, mesmo que indiretamente, um bom exemplo contra a argumentação vitimista sobre o antigo colonialismo a respeito de desenvolvimento econômico. Segundo os defensores dessa ideia – que tem um ensino extremamente comum destinado aos jovens brasileiros nas escolas – a forma na qual o país foi colonizado exerce extrema influência sobre o desenvolvimento atual. O fato de um país ter sido colonizado por exploração (geralmente exploração de recursos naturais), segundo os defensores desse pensamento, exercerá grande influência negativa no desenvolvimento futuro do país, ao passo que uma colônia de povoamento (com o foco de desenvolver o local em questão) exercerá uma grande influência positiva no desenvolvimento local. Exemplos clássicos utilizados no Brasil são a colonização por exploração de Portugal sobre o Brasil e colonização britânica por povoamento sobre os EUA, mesmo com os EUA sofrendo com intervenções britânicas, principalmente no século XVIII.

Obviamente, logo após a independência, se um país foi colônia de povoamento pode estar até em boa situação, enquanto uma colônia de exploração tende a ser um pouco mais pobre. Porém, pegando esses casos clássicos, no longo prazo, a colonização deixa de exercer tanta influência, diminuindo cada vez mais conforme o tempo o passa. A declaração de independência dos EUA foi em 1776 e já se passaram 236 anos. A do Brasil foi em 1822 e já se passaram 190 anos. Qualquer vestígio de colonização pode ser apagado facilmente com todo esse tempo, caso boas medidas sejam realizadas. A Suécia entra nessa história com o fato de também ter sido pobre (assim como as colônias exploradas) até meados do século XIX, mudando sua própria história, da mesma forma que os países que foram “explorados” no passado tiveram séculos para fazer o mesmo, mas muitos não fizeram. Fatores como tempo não podem ser utilizados como desculpa.

Muitos suecos imigravam para os EUA nessa época, por exemplo, pois os padrões de vida de então eram próximos dos padrões de vida dos mais pobres países do mundo atual. Em 1868, londrinos organizaram arrecadações voluntárias de recursos a serem enviados para a então faminta Suécia. Além da fome, aproximadamente 17,4% das crianças nascidas não conseguiam completar nem um ano de idade e a expectativa de vida era de apenas 43 anos. Hoje em dia, é difícil imaginar uma situação dessa ocorrendo em um país que sempre está disputando a liderança em diversos índices mundiais como o IDH.

Porém, essa situação estava com os dias contados, pois boas reformas liberais vieram e o país começou a se desenvolver significativamente. Essas reformas incluíam a remoção de barreiras ao comércio, desregulamentação de empreendimentos, liberalização do sistema bancário, privatização de florestas e flexibilizações migratórias. Como resultado, o país, que estava passando fome, começou a se industrializar. Aliadas aos fortes valores empreendedores da sociedade, a situação do país então mudou. Cerca de metade das 50 maiores empresas suecas atuais surgiram nessa época, em que a Suécia se tornou uma nação exportadora e competitiva – não demorou muito para que as exportações representassem 25% do PIB.

Impostos sobre bens industriais variavam entre 3 a 5% por volta de 1875 (entre os menores do mundo), enquanto hoje são 25%. Os gastos públicos  dificilmente representavam 10% do PIB (eram cerca de 6% por volta de 1880), enquanto hoje já são um pouco mais do que a metade. A situação começou a desandar por volta da década de 20, quando o socialista Karl Hjalmar Branting se tornou primeiro-ministro, fortalecendo o Partido Social-Democrata Sueco, que pelo menos é um pouco mais moderado que o Left Party. Até então, a Suécia chegava a ser tão (se não mais) liberal quanto os EUA e o Reino Unido.

A partir da década de 1930

Nesse período, o liberalismo virou passado. A situação começou a se degradar gradualmente até por volta da década de 1970, freando (um pouco) por volta de 1980. A carga tributária, que representava apenas 8% do PIB em 1929, passou a ser 46% em 1980 e mais de 50% na década de 2000. Por mais incrível que possa parecer, de 1950 a 2005 praticamente não foram criados empregos líquidos no setor privado. No setor privado, as demissões foram, por muitas vezes, superiores às contratações, enquanto no setor público o saldo sempre foi positivo, evidentemente. Os empregos no setor privado diminuíram durante 28 anos (1972 a 2000).  Além disso, de 1960 a 2007, a porcentagem de funcionários que trabalhavam na agricultura e na manufatura diminuiu, enquanto o setor de serviços privado e, principalmente, o setor público cresceram. Como apenas a população total cresceu, assim como o número de funcionários púbicos e benefícios assistencialistas, o setor privado precisou ser espoliado cada vez mais para conseguir sustentar esse cenário.

Os valores da sociedade sueca (família, trabalho duro, individualismo independente porém sempre com a mão aberta quando o próximo precisar) foram perdidos, pois o estado passou a ser quem cuidava da educação. Os pais simplesmente delegavam a educação de seus filhos ao estado, composto por socialistas, feministas e por aí vai. Os filhos “aprendiam” (eram iludidos sobre) as maravilhas da esquerda, do socialismo, do igualitarismo, do assistencialismo, da liberdade (de responsabilidades), etc. Era inevitável que as crianças que crescessem sob esse sistema apenas saberiam clamar pelos seus “direitos”, mas nunca pelos seus deveres.

Consequentemente, a Suécia passou por problemas, como o crescimento real per capta. Não coincidentemente, o auge do assistencialismo e do intervencionismo ocorreu no mesmo período em que crescimento real foi menor:

A Suécia se beneficiou por não ter sido destruída na Segunda Guerra Mundial, o que também quebra o argumento de que guerras incentivam a economia. Enquanto outros países destruídos reconstruíam suas respectivas economias (“crescendo”), a Suécia sempre estava um passo a frente, só precisando aprimorar aquilo que já existia.

O país pode não estar quebrando hoje, mas no passado as coisas não estavam funcionando bem. Os déficits fiscais aumentaram, a competitividade diminuiu e a economia estagnou, enquanto a inflação e a insatisfação só cresciam. No entanto, em 1976, depois de 40 anos, os social-democratas esquerdistas saíram do poder, em uma coalização mais direitista liderada pelo Centre Party, com o apoio do Liberal Party e do Conservative Moderate Party, elegendo Thorbjörn Fälldin, freando (um pouco) a expansão socialista. Porém, as reformas foram fracas e o emprego caiu 10% no início dos anos 1990, assim como o déficit fiscal passava de 10% do PIB.

Então, nos anos 1990, reformas mais firmes foram iniciadas. O Banco Central, que pelo menos se tornou mais independente, adotou uma meta de inflação de 2%, o déficit sumiu e o governo conseguiu um superávit em 1998 (com 0,7%) e desde então isso se repetiu (exceto em 2002, 2003 e 2009, mas pouco, nada ridículo como antes). Liberalizações nos mercados de bens e serviços como eletricidade, ferrovias, setor aéreo e previdenciário, educação, entre outros (incluindo a privatização da marca de bebidas Absolut Vodka em 2008), além de reduções de impostos e benefícios (que ainda continuaram altos, só que não tanto quanto antes) facilitaram o bem andar da economia.

A alta carga tributária, mesmo parando de aumentar (evitando que ficasse ainda maior), resultou em uma mudança empregacional nas multinacionais suecas. Em 1987, cerca de 500 mil funcionários trabalhavam em uma multinacional sueca fora da Suécia, enquanto no país eram cerca de 750 mil. Conforme o tempo foi passando, países mais próximos, principalmente no leste e no centro da Europa, começaram a realizar reformas pró-mercado, e as empresas suecas viram ali melhores oportunidades. Com isso, gradualmente, empregos foram fechados na Suécia e abertos em outros países, sendo que em 2006 o número de empregos que existiam nessas empresas na Suécia caiu para cerca de 500 mil (250 mil a menos), enquanto em outros países subiu para mais de 1 milhão (mais de 500 mil a mais).

Os recentes números da economia, em coroas suecas:

PIB:
2008: 3,204 trilhões
2009: 3,105 trilhões
2010: 3,330 trilhões
2011: 3,495 trilhões

Déficit/superávit governamental (% do PIB):
2008: 69,4 bilhões (2,2%)
2009: -22,2 bilhões (-0,7%)
2010: 8,3 bilhões (0,3%)
2011: 10,0 bilhões (0,3%)

Gastos públicos, em porcentagem no PIB:
2008:
 51,7%
2009: 54,9%
2010: 52,5%
2011: 51,3%

Receita governamental, em porcentagem no PIB:
2008:
 53,9%
2009: 54,0%
2010: 52,4%
2011: 51,4%

Dívida governamental (% no PIB):
2008:
1,243 trilhão (38,8%)
2009: 1,322 trilhão (42,6%)
2010: 1,313 trilhão (39,4%)
2011: 1,341 trilhão (38,4%)

A Suécia, diferente de boa parte do mundo, tentou ser responsável em relação a dívidas durante a crise. Desde 1999 a dívida governamental, além de estar diminuindo cada vez mais de forma gradual, está abaixo da média dos países da União Europeia, sendo menor do que a metade da dívida desses países. A Suécia, de certa forma, já estava seguindo o caminho inverso da Europa dos últimos tempos: ao invés de (mais) estatismo, estão diminuindo, mesmo que lentamente, o tamanho do estado.

O que serve para quase dar sustento ao assistencialismo e, ao mesmo tempo, refutar a ideia de que a Suécia é um misto de capitalismo com socialismo é a liberdade econômica desconsiderando impostos. A alta carga tributária, evidentemente, é um fator que diminui a liberdade, pois o estado acaba redirecionando ainda mais recursos coercivamente. Porém, não são apenas impostos que pesam sobre a liberdade econômica. Burocracia, regulamentações e intervenções em geral também pesam muito e nisso a Suécia consegue ir relativamente bem.

No índice de facilidade de fazer negócios (ease of doing business index, no nome original), do Banco Mundial, a Suécia se posicionou em 14º de 183 países em 2011 e 2012, melhorando lentamente nos últimos anos. Porém, o índice tem algumas coisas que diferem de liberalismo econômico. No que interessa ao leitor do artigo, no quesito comércio através da fronteiras, por exemplo, que inclui documentação e tempo necessários, além de custo por contêiner, o país está em 8º. Para o desespero de alguns nacionalistas, o tempo é um fator mais favorável para importações do que exportações. Geralmente, são necessários 8 dias para exportar, enquanto para importar são apenas 6.

A Suécia também se dá bem no índice de liberdade econômica da Heritage Foundation. Desde os anos 1990 o país aumenta, gradualmente, a sua posição no ranking. Só que ainda mais importante do que esse aumento gradual em si são as características suecas no ranking. Dos 10 fatores levados em consideração, apenas em 3 a Suécia tem liberdade abaixo da média mundial, que são, obviamente, liberdade fiscal e gastos governamentais, além de liberdade trabalhista. Dos 3, liberdade trabalhista está só um pouco abaixo da média mundial, enquanto fatores como liberdade de negócios e direitos de propriedade estão extremamente acima da média, com os direitos de propriedade disputando acirradamente a liderança mundial, sendo que por oito anos o país liderou nesse quesito na década de 2000. A “função social” da propriedade não deve estar sendo levada muito a sério por lá.

Portanto, é um erro chamar a Suécia de socialista ou qualquer outra coisa do tipo, principalmente de meados da década de 2000 para os dias atuais. O país se beneficiou de boas reformas liberais no século XIX e passou por um período mais “infeliz” em boa parte do século XX, que resultaram em vários problemas econômicos nas últimas décadas. Talvez esse período possa até ser considerado mais um misto real de capitalismo com socialismo, mas os resultados dele mostram que não é algo benéfico. Benéfico foi o período iniciado em meados dos anos 1990, em que o desemprego diminuiu e políticas públicas minimamente responsáveis surgiram, como uma leve redução de gastos públicos e impostos, além de estabilizações das contas públicas e liberalizações econômicas, que permitiram que a Suécia voltasse a ter uma economia mais estável. Pelas características suecas, caso ali existisse um estado menor, muito provavelmente o país estaria colocado entre os mais liberais do mundo, mesmo não estando longe disso atualmente, já que os altos impostos jogam para baixo a percepção de liberdade econômica lá existente.