A inocência de quem não pode se sentir ofendido

por Magno Karl, cientista social. Artigo originalmente publicado no site Ordem Livre. Para ler o artigo original, clique aqui.

Demorou um pouco, mas acabou acontecendo. Atendendo a um pedido da União Nacional Islâmica, o juiz Gilson Delgado Miranda proibiu na tarde de ontem o YouTube de exibir o trailer do filme “Inocência dos Muçulmanos” no Brasil. O site tem 10 dias para tirar o vídeo do ar.

Geralmente atacada por políticos ofendidos, dessa vez a liberdade de expressão é agredida por um motivo nobre: para que pessoas não mais “digam essas coisas ruins”.

As informações são do Estadão:

A decisão foi tomada nesta tarde pelo juiz Gilson Delgado Miranda, da 25ª Vara Cível, segundo informações da assessoria de imprensa do TJ, e acata um pedido da União Nacional Islâmica contra a Google Brasil, responsável pelo serviço de vídeos online.

(…)

O advogado da União Nacional Islâmica (UNI), Adib Adbouni, avalia que o filme ‘Inocência dos Muçulmanos’ viola a Constituição, na medida que fere o direito da liberdade de religião. Para o advogado, o vídeo ofende a coletividade islâmica.

Para o presidente da Associação Beneficente Islâmica do Brasil, Bilal Jumaa, que organizou uma passeata contra o filme, a decisão da Justiça foi acertada. “Foi bom para impedir que digam essas coisas ruins”, disse o religioso. “Isso é um ataque que mexe com todas as religiões e vai proteger a liberdade de religião.”

Os últimos dias têm sido difíceis para a Liberdade no Brasil. Na semana passada, um juiz da Paraíba decretou a prisão de um diretor do Google Brasil porque a empresa não retirou da internet um vídeo que ridicularizava o candidato do PSDB à prefeitura de Campina Grande.

No início dessa semana, o deputado federal Protógenes Queiroz, depois de se enganar e levar o filho para assistir um filme adulto que por acaso é estrelado por um ursinho falante, prometeu acionar os “meios legais” para impedir que o filme continue a ser exibido no Brasil e “apurar responsabilidades”. Quem não tem poder, comete erros e paga por eles. Políticos impõem o custo de seus erros sobre terceiros e não se envergonham se usar a censura para encobrir as suas gafes.

A liberdade de expressão é uma das maiores conquistas da humanidade. Ela garante que até os menos poderosos em uma sociedade possam se manifestar contra as ideias ou ações dos mais poderosos. A internet multiplicou esse poder.

No Brasil, onde a maioria de nós cresceu ouvindo músicas cuja execução pública era proibida, nós ainda não conseguimos criar uma cultura de respeito à expressão livre. A justiça brasileira proíbe a imagem de Jesus no carnaval e proíbe um vídeo debochando de Maomé. Proíbe humor sobre políticos. Proíbe vídeos de celebridades fazendo sexo em locais públicos. Proíbe e proíbe.

O Brasil é o líder disparado em pedidos de remoção de conteúdo ao Google.

Corram para as suas casas e assistam seus DVD de A Vida de Brian. Nunca se sabe quando a justiça brasileira decidirá analisar o potencial ofensivo da vida do relutante Messias…

Assista ao vídeo “Inocência dos Muçulmanos” enquanto há tempo. A versão disponível na internet é um trailer curto e ruim de um filme que promete ser ainda pior. Esse é mais um exemplo de filme que, como no caso de “A Serbian Film” estaria descansando na lixeira da história, não fossem as reações daqueles que tentam impor, através da legislação, a sua vontade sobre a liberdade dos outros indivíduos.