por Magno Karl, cientista social. Artigo originalmente publicado no site Ordem Livre. Para ler o artigo original, clique aqui.
Demorou um pouco, mas acabou acontecendo. Atendendo a um pedido da União Nacional Islâmica, o juiz Gilson Delgado Miranda proibiu na tarde de ontem o YouTube de exibir o trailer do filme “Inocência dos Muçulmanos” no Brasil. O site tem 10 dias para tirar o vídeo do ar.
Geralmente atacada por políticos ofendidos, dessa vez a liberdade de expressão é agredida por um motivo nobre: para que pessoas não mais “digam essas coisas ruins”.
A decisão foi tomada nesta tarde pelo juiz Gilson Delgado Miranda, da 25ª Vara Cível, segundo informações da assessoria de imprensa do TJ, e acata um pedido da União Nacional Islâmica contra a Google Brasil, responsável pelo serviço de vídeos online.
(…)
O advogado da União Nacional Islâmica (UNI), Adib Adbouni, avalia que o filme ‘Inocência dos Muçulmanos’ viola a Constituição, na medida que fere o direito da liberdade de religião. Para o advogado, o vídeo ofende a coletividade islâmica.
Para o presidente da Associação Beneficente Islâmica do Brasil, Bilal Jumaa, que organizou uma passeata contra o filme, a decisão da Justiça foi acertada. “Foi bom para impedir que digam essas coisas ruins”, disse o religioso. “Isso é um ataque que mexe com todas as religiões e vai proteger a liberdade de religião.”
Os últimos dias têm sido difíceis para a Liberdade no Brasil. Na semana passada, um juiz da Paraíba decretou a prisão de um diretor do Google Brasil porque a empresa não retirou da internet um vídeo que ridicularizava o candidato do PSDB à prefeitura de Campina Grande.
No início dessa semana, o deputado federal Protógenes Queiroz, depois de se enganar e levar o filho para assistir um filme adulto que por acaso é estrelado por um ursinho falante, prometeu acionar os “meios legais” para impedir que o filme continue a ser exibido no Brasil e “apurar responsabilidades”. Quem não tem poder, comete erros e paga por eles. Políticos impõem o custo de seus erros sobre terceiros e não se envergonham se usar a censura para encobrir as suas gafes.
A liberdade de expressão é uma das maiores conquistas da humanidade. Ela garante que até os menos poderosos em uma sociedade possam se manifestar contra as ideias ou ações dos mais poderosos. A internet multiplicou esse poder.
No Brasil, onde a maioria de nós cresceu ouvindo músicas cuja execução pública era proibida, nós ainda não conseguimos criar uma cultura de respeito à expressão livre. A justiça brasileira proíbe a imagem de Jesus no carnaval e proíbe um vídeo debochando de Maomé. Proíbe humor sobre políticos. Proíbe vídeos de celebridades fazendo sexo em locais públicos. Proíbe e proíbe.
O Brasil é o líder disparado em pedidos de remoção de conteúdo ao Google.
Corram para as suas casas e assistam seus DVD de A Vida de Brian. Nunca se sabe quando a justiça brasileira decidirá analisar o potencial ofensivo da vida do relutante Messias…
Assista ao vídeo “Inocência dos Muçulmanos” enquanto há tempo. A versão disponível na internet é um trailer curto e ruim de um filme que promete ser ainda pior. Esse é mais um exemplo de filme que, como no caso de “A Serbian Film” estaria descansando na lixeira da história, não fossem as reações daqueles que tentam impor, através da legislação, a sua vontade sobre a liberdade dos outros indivíduos.
O presente artigo encerra o nosso estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). Nas duas últimas seções, Alberdi coloca que a independência de um país é desejável na medida que garante a liberdade do homem, mas que não é um fim em si. Discorre sobre a linguagem violenta e fanática do ultranacionalismo e como ele é usado para esmagar as liberdades civis.
O entusiasmo pátrio é um sentimento peculiar da guerra, não da liberdade, que se alimenta da paz. A guerra se fez mais fecunda desde que trocou o entusiasmo pela ciência, mas é mais filha do entusiasmo que da ciência.
Por que vínculo misterioso se viram irmanadas na América do Sul as noções de Pátria e de liberdade, o entusiasmo, a glória, a guerra, a poesia, de modo que hoje tratam com tanta paixão as questões públicas que permanecem indecisas precisamente porque não são tratadas com a serenidade e temperança que as faria tão expeditas e fáceis?
Não é difícil concebê-lo. Vista a pátria como foi considerada pelas sociedades gregas e romanas, a cujos olhos eram uma instituição religiosa e santa, a Pátria e seu culto encheram os corações com o entusiasmo inexplicável das coisas santas. Do entusiasmo ao fanatismo a distância não foi grande. A Pátria foi adorada como uma espécie de divindade e seu culto produziu um entusiasmo fervoroso como o da própria religião. Na independência natural e essencial da Pátria em respeito ao estrangeiro, se fez consistir toda sua liberdade, e em sua onipotência se viu a negação de toda liberdade individual capaz de limitar sua autoridade divina. Assim o guerreiro foi o vencedor de sua liberdade contra o estrangeiro, considerado como inimigo nato da independência pátria, e a glória humana consistiu nos triunfos da luta sustentada na defesa da liberdade da Pátria contra toda dominação de fora.
A guerra tomou assim a sua santidade de seu objeto favorito, a liberdade da Pátria, a defesa de seu solo sagrado, e da santidade dos seus estandartes, símbolos benditos da pátria, seu solo e seus altares, entendidos, como entendiam os gregos e romanos, em seu sentido religioso.
Consideradas as coisas deste ponto de vista, a Pátria foi inseparável delas; o entusiasmo que infundiam as coisas santas e sagradas. A Pátria onipotente e absoluta absorveu a personalidade do indivíduo e a liberdade da Pátria, eclipsando a liberdade do homem, não deixou outro objeto legítimo e sagrado à guerra que a defesa da independência ou liberdade da Pátria com relação ao estrangeiro e sua onipotência com relação ao indivíduo que é membro dela.
Foi assim que no nascimento dos novos Estados da América do Sul, San Martín, Bolívar, Sucre, O’Higgins, os Carrera, Belgrano, Alvear e Pueyrredón, que haviam sido educados na Espanha e tomado lá suas noções de pátria e liberdade, entendendo a liberdade americana à espanhola, a fizeram consistir totalmente na independência dos novos Estados com relação à Espanha, como a Espanha o havia entendido com relação à França quando estava em guerra com Napoleão I.
Estes grandes homens foram sem dúvida campeões da liberdade da América, mas da liberdade no sentido da independência da Pátria com relação à Espanha; e se não defenderam também a onipotência da Pátria sobre seus membros individuais, tampouco defenderam a liberdade individual entendida como limite do poder da pátria ou do Estado, porque não compreenderam nem conheceram a liberdade neste sentido, que é seu sentido mais precioso. Onde, de quem poderiam tê-la aprendido? Da Espanha, que jamais a conheceu no tempo em que se educaram por lá?
George Washington e seus contemporâneos não estiveram neste caso, senão no caso oposto. Eles conheciam melhor a liberdade individual que a independência de seu país, porque haviam nascido, crescido e vivido desde o berço desfrutando da liberdade do homem sob a mesma dependência da livre Inglaterra.
Assim que, depois de conquistar a independência de sua Pátria, os indivíduos que eram membros dela se encontraram tão livres como haviam sido desde a fundação destes povos, e sua constituição de nação independente não mudou, mas confirmou suas velhas liberdades anteriores, que já conheciam e manejavam como veteranos da liberdade.
A glória de nossos grandes homens foi mais deslumbrante porque nasceu do entusiasmo que produziram a guerra e as vitórias da independência da Pátria, que nasceu onipotente com relação aos seus indivíduos, como havia sido a terra natal sob o regime onímodo do governo de seus reis, em que a Pátria se personificava. A glória onipotente de nossos grandes guerreiros da independência nascia do entusiasmo pela Pátria, que havia sido todo seu objetivo, porque a entendiam no sentido quase divino que teve na velha Roma e na velha Espanha. A glória de nossas grandes personalidades históricas da guerra da independência da pátria continuou eclipsando a verdadeira liberdade, que é a liberdade do homem, chegando o entusiasmo por estes homens simbólicos a tirar dos altares a liberdade propriamente dita.
Este é o terreno em que se tem mantido até aqui a direção de nossa política orgânica e de nossa literatura política e social, em que as liberdades da Pátria têm eclipsado e feito esquecer as liberdades do indivíduo, que é o fator e unidade de que a Pátria está formada.
De onde deriva sua importância a liberdade individual? De sua ação no progresso das nações.
É uma liberdade multíplice ou multiforme, que se decompõe e exerce sob estas diversas formas:
Liberdade de querer, optar e escolher.
Liberdade de pensar, de falar, escrever, opinar e publicar.
Liberdade de fazer e proceder
Liberdade de trabalhar, de adquirir e dispor do que é seu.
Liberdade de estar, de ir e vir, de sair e entrar em seu país, de locomoção e de circulação.
Liberdade de consciência e de culto.
Liberdade de emigrar e de não mudar de país.
Liberdade de testar, de contratar, de emprestar, de produzir e adquirir.
Como ela encerra o círculo da atividade humana, a liberdade individual, que é a liberdade capital do homem, é a obreira principal e imediata de todos os seus progressos, de todas as suas melhorias, de todas as conquistas da civilização em todas e cada uma das nações.
Mas o rival mais terrível desta “fada” dos povos civilizados é a Pátria onipotente e onímoda, que vive personificada fatalmente em Governos onímodos e onipotentes, que não a querem porque é limite sagrado de sua própria onipotência.
Convém, entretanto, não esquecer que, assim como a liberdade individual é a nutridora da pátria, a liberdade da Pátria é o paladino das liberdades do homem, que é membro essencial desta Pátria. Qual pode ser a Pátria mais interessada em conservar nossos direitos pessoais, senão aquela de que nossa pessoa é parte e unidade elementar?
Para dizer tudo em uma palavra final, a liberdade da Pátria é só uma face da liberdade do homem civilizado, fundamento e termo de todo o edifício social da raça humana.
Continuando o estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). Nesta seção, Alberdi enfatiza como o espírito patriótico na América do Sul serviu apenas para atrasar os povos americanos em termos de progresso sócio-econômico lhes deixando em troca apenas uma coleção de estátuas eqüestres, hinos e caudilhos.
Outro dos grandes inconvenientes da noção romana de Pátria e patriotismo para o desenvolvimento da liberdade é que como a pátria era um culto religioso em sua origem, ela engendrava o entusiasmo e o fanatismo, ou seja, o calor e a paixão que cegam.
Daí nossos cantos à Pátria, entendidos de um modo místico, que remontam aos cânticos religiosos do patriotismo antigo e pagão.
O entusiasmo, disse a livre Inglaterra pela pena de Adam Smith, é o maior inimigo da ciência, fonte de toda civilização e progresso. O entusiasmo é um veneno que, como o ópio, faz fechar os olhos, e cega o entendimento; contra ele não há melhor antídoto que a ciência, diz o rei dos economistas.
Na América do Sul, envenenada com este tóxico, o entusiasmo é uma qualidade recomendável, longe de ser uma enfermidade perigosa.
A liberdade é fria e paciente, de temperamento racional e reflexivo, não entusiasta, como demonstra o exemplo dos povos saxões realmente livres. Os americanos do Norte, como os ingleses e os holandeses, tratam seus negócios políticos, não com o calor que inspiram as coisas religiosas, mas como o mais prosaico da vida, que são os interesses que a sustentam. Jamais seu calor moderno chega ao fanatismo.
O entusiasmo engendra a retórica, o luxo da linguagem, o tom poético, que vai tão mal aos negócios, e todas as violências da frase, precursoras das violências e tiranias da conduta.
Nestas pompas sonoras da palavra escrita e falada, que é peculiar do entusiasmo, desaparece a ideia, que só vive da reflexão e da ciência fria.
Comentário: Resumidamente, a exaltação patriótica hoje comum na esquerda sul-americana (“socialismo do século XXI”) é uma boa promotora de discursos inflamados, conflitos partidários, hinos, livros, artes e poesias revolucionárias… mas estéril na produção de resultados práticos para os cidadãos sul-americanos em termos de progresso sócio-econômico.
Daí decorre que os americanos do Norte, os ingleses e os holandeses não conhecem esta poesia patriótica, esta literatura política, que se exala em cantos de guerra, que intimidam e afugenta a liberdade em vez de atraí-la. Os americanos do Norte não cantam a liberdade, mas a praticam em silêncio.
A liberdade para eles não é uma deidade, é uma ferramenta ordinária como o pé-de-cabra e o martelo.
Liberdade não precisa de líderes messiânicos, passeatas, bandeiras e estátuas. É uma ferramenta simples e que pode ser facilmente obtida quando um povo o quer: basta assumir para si os poderes que o governo quer tomar.
Tudo o que falta à América do Sul para ser livre como os Estados Unidos é ter o temperamento frio, pacífico, manso e paciente para tratar de resolver os negócios mais complicados da política, que também o são para os ingleses e os holandeses, o que não exclui o calor às vezes, mas não vai jamais até o fanatismo que cega e extravia. A França entra na liberdade a medida que contrai este temperamento realmente viril, ou seja, frio.
Comentário: Desde que os socialistas e esquerdistas em geral perceberam que ninguém caia na velha retórica truculenta e passaram a incorporar vocabulário liberal ou conservador na sua retórica (palavras como democracia, liberdade, soberania nacional), muitos deles tem exaltado a liberdade como uma deidade alcançável somente através do socialismo. O fato é que a liberdade é uma coisa simples e que pode ser alcançada somente pela redução das atribuições e poderes do Estado.
Continuando o estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). Nesta seção, Alberdi traça as distinções entre a independência e a liberdade, e enfatiza a importância do setor privado como única força motora do progresso.
Depois de ler o discípulo, leiamos o mestre de Herbert Spencer – o autor dA Riqueza das Nações, Adam Smith, que a vê (a riqueza) nascer toda em sua formação natural da iniciativa inteligente e livre dos indivíduos:
É às vezes a prodigalidade e a má conduta pública, jamais a dos particulares, o que empobrece a uma nação. Toda ou quase toda a receita pública é empregada em muitos países no sustento de pessoas improdutivas. Tais são as que compõem uma corte numerosa e brilhante, um grande estabelecimento eclesiástico, grandes esquadras e grandes exércitos, que em tempos de paz não produzem nada, e que em tempo de guerra não adquirem nada que possa compensar sequer o que custa sua manutenção enquanto ela dura. Todas as pessoas que não produzem nada por si mesmas são mantidas pelo produto do trabalho dos outros.
Seguramente, Adam Smith não poderia imaginar que a nobreza seria mais numerosa e custosa para os cidadãos nos governos de hoje do que no seu tempo…
O esforço constante, uniforme e ininterrupto de cada particular para melhorar sua condição, princípio de onde emana originariamente a opulência pública e nacional, tanto como a opulência particular, é frequentemente bastante forte para fazer marchar as coisas para melhor, e para manter o progresso natural, apesar da extravagância do governo e dos maiores erros da administração.
Semelhante ao princípio desconhecido da vida animal, ele restaura comumente a saúde e o vigor da constituição, à despeito não só da enfermidade mas também das receitas absurdas do médico.
O produto anual de suas terras e de seu trabalho (da Inglaterra) é sem contradição muito maior no presente, do que o era no tempo da restauração ou da revolução. O capital empregado no cultivo destas terras e no progresso deste trabalho deve, pois, ser igualmente muito maior. Em meio de todas as cobranças do Governo, este capital se acumulou em silêncio e gradualmente, pela economia e pela boa conduta particular dos indivíduos e pelo esforço universal, contínuo e ininterrupto, que fizeram eles para melhorar sua condição.
Este esforço, protegido pelas leis e pela liberdade de empregar sua energia da maneira mais vantajosa, é o que sustentou os progressos da Inglaterra até a opulência e a melhora em quase todas as épocas que a precederam, e que os sustentará ainda, como é de se esperar, em todos os tempos que sucederão.
Comentário: Estas citações de Smith, apoiadas por Alberdi, refletem a velha denúncia da Falácia da Janela Quebrada, de Bastiat. Ou seja, que as pessoas acreditam na lenda de que o Estado pode incentivar o progresso da sociedade gerando empregos. É provado que o Estado não pode fazer isso: os empregos artificiais gerados em repartições públicas, cargos políticos ou mesmo numerosos exércitos são apenas gastos com atividades improdutivas e, na maior parte dos casos, inúteis.
Resulta das observações contidas neste estudo que o que entendemos por Pátria e patriotismo habitualmente sã bases e pontos de partida muito perigosos para a organização de um país livre, e antes de conduzir à liberdade, pode levar-nos ao polo oposto, ou seja, ao despotismo, por pouco que o caminho se equivoque. É muito simples o caminho por onde o extremo amor à Pátria pode alijar da liberdade do homem e conduzir ao despotismo pátrio do Estado. O que ama a Pátria sobre todas as coisas não está longe de dar-lhe todos os poderes e fazê-la onipotente. Mas a onipotência da Pátria ou do Estado é a exclusão e negação da liberdade individual, ou seja, da liberdade do homem, que não é em si mesma mais do que um poder moderador do poder do Estado.
A liberdade individual é o limite sagrado em que termina a autoridade da Pátria.
A onipotência da Pátria ou do Estado é toda a causa e razão de ser da onipotência do governo da Pátria, que lhe serve de personificação ou representação na ação de seu poder soberano.
Assim é como se viu invocar o patriotismo e a Pátria na Convenção francesa de 1793 e na Ditadura de Buenos Aires de 1840, em todas as violências com que foram pisadas as liberdades individuais d homem para o uso e posse de sua vida, de seu lar, de sua opinião, de sua palavra, de seu voto, de sua conduta, de seu domicílio e locomoção.
Todos os crimes públicos contra a liberdade do homem puderam ser cometidos; não só impune, mas também legalmente, em nome da Pátria onipotente, invocada por seu governo onímodo.
A liberdade do homem pode ser não somente incompatível com a liberdade da Pátria, como também a primeira pode ser desconhecida e devorada pela outra. São duas liberdades diferentes que frequentemente estão em desacordo e em divórcio. A liberdade da Pátria é a independência a respeito de todo país estrangeiro. A liberdade do homem é a independência do indivíduo a respeito do governo de seu próprio país.
A liberdade da Pátria é compatível com a maior das tiranias, e estas podem coexistir no mesmo país. A liberdade do indivíduo deixa de existir pelo próprio fato da Pátria assumir a onipotência do país.
Comentário: Alberdi traça uma clara linha de divisão entre a liberdade nacional e a liberdade individual, ou, em seus termos, a liberdade da Pátria e a liberdade do Homem. A liberdade nacional é sinônimo de independência, ou seja, um governo nacional. A liberdade do homem é a ausência de coerção na vida dos cidadãos, sobretudo quando esta vem por decreto do governo. Deste modo, um país pode ser livre, mas seu povo ser escravo. Cuba, por exemplo, é um país independente, mas seu povo não é livre. Ironicamente, um dos maiores heróis nacionais cubanos é republicano e liberal: José Martí.
A liberdade individual significa literalmente ausência de todo poder onipotente e onímodo no Estado e no governo do Estado.
As duas liberdades não são igualmente fecundas em seu poder fecundante da civilização e do progresso das nações. A onipotência ou despotismo da Pátria, para ser fecundo em bens públicos, necessita de duas coisas:
Primeira, ser “iluminado”; segunda, ser honesto e justo. Em Estados novos, que ensaiam ainda a constituição de seus governos livres, a onipotência da Pátria é estéril, e a de seu governo é destruidora. A liberdade do indivíduo em tais casos é a mãe nutridora de todos os avanços do país, porque seu povo abunda em estrangeiros imigrados que trouxeram ao país a inteligência e a boa vontade de melhorar sua condição individual mediante a liberdade individual que suas leis prometem e asseguram. Em países que foram colônias de governos de nova criação são débeis e ininteligentes para laborar o progresso de sua civilização.
A onipotência da pátria é excludente não só de toda liberdade, mas também de todo o progresso público, porque o obreiro favorito deste progresso é o indivíduo particular que sabe usar de sua energia e de seu poder naturais, para conservar e melhorar sua pessoa, sua fortuna e sua condição de homem civilizado.
Pois bem, como a massa ou conjunto destes indivíduos particulares é o que se denomina povo em acepção vulgar desta palavra, segue que é ao povo e não ao Governo a quem estão entregues as condições da sociedade sul-americana, a obra gradual de seu progresso e civilização. E a máquina favorita do povo para levar a cabo esta elaboração é a liberdade civil ou social distribuída por igual entre seus indivíduos nativos e estrangeiros, que formam a associação ou povo sul-americano.
Se esta lei natural e fatal de próprio engrandecimento individual se denomina egoísmo, é necessário admitir que o egoísmo preceda o patriotismo na hierarquia dos obreiros e servidores do progresso nacional.
Os avanços do país devem marchar necessariamente em proporção direta ao número de seus egoístas inteligentes, laboriosos e enérgicos, e das facilidades e garantias que seu egoísmo fecundo e civilizador encontram para exercer-se e desenvolver-se.
A sociedade sul-americana estaria salva e assegurada em seu futuro de liberdade e de progresso, desde que fosse o egoísmo inteligente e não o patriotismo egoísta o convocado a edificar o edifício das Repúblicas da América do Sul.
E como não é natural que o egoísmo são descuide o trabalho de seu próprio engrandecimento individual, sob pena de danificar seu interesse cardeal, pode-se dizer com verdade perfeita que o progresso futuro da América do Sul está garantido e assegurado pelo fato de estar sob o protetorado vigilante do egoísmo individual que nunca dorme.
Comentário: Infelizmente, Alberdi errou esta previsão no plano geral. Pouco espaço houve na América do Sul para que operassem as forças enriquecedoras e libertadoras da livre iniciativa, da livre expressão e do livre comércio, com exceção de uns poucos países e por períodos não muito longos . O continente, pelo contrário, foi e continua sendo palco de experimentos ideológicos autoritários e despóticos dos quais a estagnação e a miséria são apenas os sintomas mais visíveis. A previsão no entanto não é de todo falha para um país que logrou grande progresso sócio-econômico graças ao trabalho inteligente e livre de seus cidadãos: o Chile.
A onipotência da Pátria, convertida fatalmente em onipotência do Governo em que ela e personaliza, é não somente a negação da liberdade, mas também a negação do progresso social, porque ela suprime a iniciativa privada na obra deste progresso. O Estado absorve toda a atividade dos indivíduos, quando tem absorvidos todos os meios e trabalhos de aperfeiçoamento. Para levar a cabo a absorção, o Estado coloca nas fileiras de seus empregados os indivíduos que seriam mais capazes entregues a si mesmos.
Em tudo intervém o Estado e tudo faz por sua iniciativa na gestão de seus interesses públicos. O Estado se faz fabricante, construtor, empresário, banqueiro, comerciante, editor e se distrai assim de seu mandato essencial e único, que é proteger os indivíduos de que se compõe contra toda a agressão interna e externa. Em todas as funções que não são da essência do Governo, opera como um ignorante e como um concorrente daninho dos particulares, piorando o serviço do país, em vez de melhor servi-lo.
A matéria ou serviço da administração pública se transforma em indústria e ganha-pão para a metade dos indivíduos de que se compõe a sociedade. O exercício desta indústria administrativa e política, que é mero instrumento para ganhar o seu, leva o nome de patriotismo, pois toma o ar de serviço à Pátria o serviço que cada indivíduo faz pela pátria para viver. Naturalmente toma então o semblante de amor à Pátria – grande sentimento desinteressado por essência -, o amor à mão que dá o pão com que se vive. Como não amar a Pátria como a sua vida, quando é a Pátria quem te faz viver?
Como não amar a pátria quando é ela que te fornece tudo, não é mesmo?
Comentário: Alberdi tece uma crítica, novamente, ao setor público. O inchaço da máquina estatal é sempre caracterizado por um número enorme de funcionários públicos com salários superfaturados, e, quando não totalmente improdutivos, ineficientes.
Assim, o patriotismo não é religião como nos velhos tempos gregos e romanos, nem é sequer superstição nem fanatismo. É muitas vezes mera hipocrisia em suas pretensões à virtude, e em realidade um simples modo de ganhar algo.
E como os melhores industriais, os mais inteligentes e ativos são os imigrantes procedentes dos países civilizados da Europa, e estes não podem exercer a indústria-governo, por sua qualidade de estrangeiros, o mau desempenho do industrialismo oficial vem a causar-lhes danos, ou a conter sua imigração e prejudicar aos nacionais que não tem trabalho nas oficinas privilegiadas da administração política.
Se o jovem, em vez de disputar a honra de receber um salário como empregado ou agente ou servente assalariado do Estado, preferisse permanecer senhor de si mesmo no governo de sua granja ou propriedade rural, a pátria estaria desde então encaminhada rumo à sua grandeza, liberdade e progresso verdadeiro.
Continuando o estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). Alberdi traça um comparativo entre as nações livres do Norte (EUA e Inglaterra) e as nações sulamericanas, enfatizando o papel crucial da iniciativa privada e da liberdade individual na prosperidade econômica e social dos países do Norte.
Assim nem o patriotismo grande nem o pequeno marcaram o último progresso da sociedade humana.
Faltava a aparição e o reinado do individualismo, ou seja, da liberdade do homem, levantada e estabelecida à face da Pátria e do patriotismo, como existindo com eles harmonicamente.
Foi o caráter e o diferencial que as sociedades livres e modernas tomaram do espírito e da influência do cristianismo, fonte e origem da moderna liberdade humana, que transformou ao mundo.
Pode-se dizer com verdade que a sociedade de nossos dias deve ao individualismo, assim entendido, os progressos de sua civilização. Neste sentido, não é temerário estabelecer que o mundo civilizado e livre é a obra do egoísmo individual, entendido ao modo cristão: Ama a Deus acima de tudo, ensinou, e a teu próximo como a ti mesmo, santificando deste modo o amor próprio à par do amor do homem.
Herbert Spencer, filósofo, sociólogo e teórico político inglês, é conhecido pelo seu pensamento individualista, antipatriota e antiimperialista. Alegava que o indivíduo tinha o direito de ignorar o Estado e era contra a educação compulsória. Acreditava que as sociedades passavam por um processo evolucionário, saindo de um estágio militar para um industrial.
Não são as liberdades da Pátria as que engrandeceram as nações modernas, mas as liberdades individuais com que o homem criou e trabalhou sua própria grandeza pessoal, fator elementar da grandeza das nações realmente grandes e livres, que são as do Norte de ambos os mundos.
“A iniciativa privada fez muito e fez bem” diz Herbert Spencer.
“A iniciativa privada desmontou, drenou, fertilizou nossos campos e edificou nossas cidades; ela descobriu e explorou minas, traçou rotas, abriu canais, construiu caminhos de ferro com suas obras de arte; ela inventou e levou à perfeição o arado, a tecelagem, a máquina à vapor, a prensa, inumeráveis máquinas; construiu nossos barcos, nossas imensas manufaturas, os recipientes de nossos portos; ela formou os Bancos, as Companhias de seguros, os jornais, cobriu o mar com uma rede de linhas a vapor, e a terra com uma rede elétrica. A iniciativa privada conduziu a agricultura, a indústria e o comércio à prosperidade presente, e atualmente a impele na mesma via com rapidez crescente. Por isto desconfiais da iniciativa privada?”
Tudo isto foi feito pelo egoísmo, ou seja, pelo individualismo, tanto na Inglaterra como em nossa América mais o menos. Tudo pode ser feito em nossos países por estes mesmos egoístas da Europa que entraram em nosso solo como emigrados, à condição de que lhes demos aqui a liberdade individual, ou seja, a segurança que lá tem pelas leis (porque esta liberdade lá significa segurança, se Montesquieu não entendeu mal as instituições inglesas).
Por acaso em nosso próprio país aconteceu outra coisa do que aconteceu na Inglaterra? A quem senão à iniciativa privada é devida a opulência de nossa indústria rural, que é o manancial da fortuna do Estado e dos particulares?
Fizeram mais por ela nossos melhores governos que a energia, a perseverança e a boa conduta de nossos agricultores, afamados a justo título?
Se há estátuas que se veem pouco em nossas ruas são as desses modestos trabalhadores e de nossa grandeza rural, sem a qual seria estéril a glória de nossa independência nacional.
Estes homens não tem estátuas espalhadas em praças públicas, mas com certeza contribuíram muito mais para melhorar sua vida do que reis, generais e presidentes. Eles são Reginald Fessenden, Walter Hancock e Raymond Tomlinson. Respectivamente, os inventores da telefonia móvel, do ônibus e do e-mail.
O contrário acontece com frequência: toda a cooperação que o Estado pode dar ao progresso de nossa riqueza deveria consistir na segurança e na defesa das garantias protetoras das vidas, pessoas, propriedades, indústria e paz de seus habitantes; mas isto é cabalmente o que interrompeu as frequentes guerras e revoluções, que não foram obra de particulares.
Na maioria das vezes, na América do Sul, as revoluções e motins são oficiais, ou seja, produtos da iniciativa do Estado.