Continuando o estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). Alberdi denuncia o patriotismo (ou nacionalismo) sulamericano como uma romantização de valores de sociedades latinas há muito mortas, um modelo de pensamento simplesmente incompatível com a liberdade.
O que era, em efeito, a Pátria e o patriotismo, no sistema social e político das antigas sociedades da Grécia e de Roma? Insistamos em explicá-lo.
A palavra Pátria, entre os antigos, segundo De Coulanges, significava a terra dos pais, terra Pátria. A pátria de cada homem, era a parte do solo que sua religião doméstica ou nacional havia santificado, a terra em que extavam depositadas as ossadas de seus antecessores e que estavam ocupadas por suas almas. Terra sagrada da Pátria, diziam os gregos. Este solo era literalmente sagrado para o homem deste tempo, porque estava habitado por seus deuses.
Estado, Pátria, Cidade, estas palavras não eram uma mera abstração como nos tempos modernos; representavam realmente todo um conjunto de divindades locais, com um culto de todos os dias e crenças poderosas sobre a alma. Só assim se explica o patriotismo entre os antigos; sentimento enérgico que era para eles a virtude suprema em que todas as virtudes vinham a refundir-se.
Uma Pátria semelhante não era para o homem um mero domicílio. A pátria estava ligada ao homem por vínculo sagrado. Tinha que amá-la como se ama a uma religião, obedecê-la como se obedece a Deus, dar-se a ela por inteiro, girar em torno dela, consagrar-lhe seu ser. O grego e o romano não morriam por desprendimento em obséquio de um homem, ou por honra; mas à sua Pátria deviam a sua vida. Porque se a Pátria é atacada, é a sua religião que é atacada, diziam eles.
Combatiam verdadeiramente por seus altares, por seus lares pro aris et focis (por Deus e pela Pátria); porque se o inimigo tomasse a cidade, seus altares eram derrubados, suas chamas simbólicas extintas, suas tumbas profanadas, seus deuses destruídos, seu culto despedaçado. O amor à Pátria era a piedade mesma dos antigos. Para eles, Deus não estava em todas as partes. Os deuses de cada homem eram aqueles que habitavam sua casa, sua cidade, sua província.
O desterrado deixando a sua Pátria para trás, deixava também seus deuses. Mas como a religião era a fonte de que emanavam seus direitos civis, o desterrado perdia tudo isto, perdendo a religião de seu país pelo fato de seu desterro, não tinha mais direito de propriedade. Seus bens eram todos confiscados em proveito dos deuses e do Estado. Não tendo culto não tinha família, deixava de ser marido e pai.
O desterro da Pátria não parecia um suplício mais tolerável que a morte. Os jurisconsultos romanos lhe chamavam pena capital.
Samuel Johnson, grande autor inglês e conservador fervoroso. Segundo ele, “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas.”
De onde nasciam estas noções sobre Pátria e patriotismo?
Era que a cidade havia sido fundada em uma religião e constituída como uma igreja. Daí a força, a onipotência e absoluto império que a Pátria exercia sobre seus membros. Concebe-se que numa sociedade estabelecida sobre tais princípios a liberdade individual não pudesse existir. Não havia nada no homem que fosse independente. Nem sua vida privada escapava a esta onipotência do Estado.
Os antigos não conheciam, portanto, nem a liberdade da vida privada, nem a liberdade de ensino, nem a liberdade religiosa. A pessoa humana valia muito pouco diante desta autoridade santa e quase divina que se chamava Pátria ou Estado.
Não era estranho, segundo estes precedentes históricos, que, tergiversados em seu sentido, induzissem aos revolucionários franceses do século passado, imitadores inconscientes das antigas sociedades da Grécia e de Roma, imitassem com exaltação estes modelos mortos.
A funesta máxima revolucionária de que a saúde do Estado é a lei suprema da sociedade, foi formulada pela antiguidade grega e romana.
Pensava-se então que o direito, a justiça, a moral, tudo devia ceder ante o interesse da Pátria.
Não houve, portanto, um erro maior do que crer que nas cidades antigas o homem desfrutara da liberdade. Nem ideia sequer tinha dela. Não acreditavam que pudesse existir direito algum em oposição à cidade e seus deuses.
Continuando o estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). Nesta segunda parte de La Omnipotencia del Estado, Alberdi esclarece a razão de a tirania não ter acabado junto com o domínio colonial europeu nas Américas, mas ter se perpetuado nas repúblicas.
Mas não devemos esquecer que não foi grega nem romana toda a origem da onipotência do Estado e de seu Governo entre nós sul-americanos. Em todo caso não seria esta senão a origem mediata, pois a origem imediata da onipotência em que se afogam nossas liberdades individuais foi o organismo que a Espanha deu a seus Estados coloniais no Novo Mundo, cujo organismo não foi diferente nesse ponto do que a Espanha deu a si mesma no Velho Mundo.
Assim, a raíz e origem de nossas tiranias modernas na América do Sul não é somente nossa origem remota greco-romana, senão também nossa origem imediata e moderna de caráter espanhol.
A Espanha nos deu a compleição que devia ela mesma a seu passado de colônia romana que foi antes de ser província romana.
A Pátria em suas noções territoriais absorveu sempre ao indivíduo e se personificou em seus governos o direito divino e sagrado que eclipsaram totalmente os direitos do homem.
A onipotência do Estado ou o poder onímodo e ilimitado da Pátria à respeito dos indivíduos que são seus membros tem por consequência necessária a onipotência do Governo em que o Estado se personifica, ou seja, o despotismo puro e simples.
Comentário: Para os déspotas, é realmente necessário que Governo e Estado se confundam com a própria Pátria, Nação ou Sociedade. É clara esta confusão na obra de Rousseau, por exemplo, quando ele afirma que o soberano representa tão somente a vontade do povo e que o corpo político como um todo não pode entrar em contradição, orgânico e uno que é. É o absolutismo mascarado de democracia, a tirania travestida de poder popular.
E não há mais meio de conseguir que o Governo deixe ou não chegue a ser onipotente sobre os indivíduos de que o Estado se compõe, senão fazendo que o Estado mesmo deixe de ser ilimitado em seu poder à respeito do indivíduo, fator elementar de seu povo. Um exemplo disto:
Quando o governador de Buenos Aires recebeu em 1835 dos representantes do Estado a soma de seus poderes públicos, não o teve pela lei, que tratou de diferenciá-lo. A lei, longe de ser causa e origem desse poder, teve por razão de ser e causa esse poder mesmo que já existia em mãos do chefe do Estado onipotente pela Ordenanza de Intendentes, constituição espanhola do Vice-reino de Buenos Aires, segundo cujas palavras, deveria continuar o vice-rei governador e capitão-general com o poder onímodo e as faculdades extraordinárias que lhe davam essa constituição e as Leyes de Indias de sua referência.
O contexto que o Governo hispano-argentino recebeu desta legislação é que suas leis ulteriores da revolução não reconstruíram de fato até hoje este ponto; e a República como o vice-reino colonial, seguiu estendendo o poder da Pátria sobre seus membros como entendiam as antigas sociedades da Grécia e de Roma.
Apesar de nossas constituições modernas, copiadas das que governam aos países livres de origem saxã, a nenhum liberal entre nós ocorreu duvidar de que o direito do indivíduo deve inclinar-se e ceder ante o direito do Estado em certos casos.
A República, portanto, continuou sendo neste ponto governada para proveito dos poderes públicos que substituíram o poder especial que lhe deu, sendo sua colônia, o contexto e compleição que convinha a seu real e imperial benefício.
A coroa espanhola não fundou suas colônias da América para fazer a riqueza e o poder de seus colonos, senão para fazer seu negócio e poder próprio. Mas para que esta não degenerasse em um sistema capaz de dar a riqueza e o poder aos colonos, no lugar de dá-los ao monarca, a colônia recebeu a Constituição social e política que deveria fazer de seu povo um mero instrumento do patrimônio Real, um simples produtor fiscal de contas de seu Governo e para seu real benefício.
Comentário: A República herdou da Metrópole o poder do Estado sobre o indivíduo. Se antes a Pátria toda era sujeita à uma Metrópole estrangeira como mera colônia de exploração de riquezas, agora era a própria população uma colônia de exploração do novo Estado Republicano independente. O poder passou de uma mão para outra, e a população em si jamais foi libertada do jugo colonial.
Sem dúvida que as Constituições que regularam depois a conduta do Governo da República qualificaram de crime legislativo o ato de dar poderes extraordinários e omnímodos a seus governantes; mas esta magnífica disposição não impediu que a soma de todos os poderes e forças econômicas do país ficassem de fato à discrição do Governo, que pode abusar desta por mil meios indiretos.
Como assim?
Se deixares nas mãos da Pátria, ou seja, do Estado, a soma do poder público, deixas nas mãos do Governo que representa e trabalha pelo Estado esta soma inteira do poder público.
Se o fazes por uma Constituição, esta Constituição será uma máquina produtora de um despotismo tirânico que não deixará de aparecer a seu tempo, pela mera razão de existir a máquina que lhe servirá de causa e ocasião suficiente.
Comentário: Os limites do Estado devem ser contornados pelos direitos individuais do cidadão. Isto deve ser feito desde os princípios básicos da Constituição, para que a liberdade dos cidadãos não dependa exclusivamente da bondade de quem governa, mas de uma série de dispositivos legais que impedem o governante de violar estes direitos.
Por Constituição entendo aqui, não a lei escrita a que damos este nome, senão a complexão ou construção real da máquina do Estado.
Se esta máquina é um fato da história do país, em vão a Constituição escrita pretenderá limitar os poderes do Estado a respeito do direito de seus indivíduos; de fato estes poderes seguirão sendo onipotentes.
São testemunhos confirmatórios desta observação os Governos republicanos que substituíram na direção do recente e moderno Estado aquele que o fundou, organizou e conduziu por séculos como colônia pertencente a um Governo absoluto e onímodo.
Enquanto a máquina que faz onipotente o poder do Estado exista viva e palpitante de fato, bem poderia chamar-se República livre e representativa por sua Constituição escrita: sua Constituição histórica e real, guardada em suas entranhas, a fará ser sempre uma colônia ou patrimônio do Governo republicano, sucessor de seu Governo realista e passado.
O primeiro dever de uma grande revolução, feita com a pretensão de mudar de regime social de governo, é mudar o contexto social que teve por objeto fazer do povo colonial uma máquina fiscal produtora de força e de proveito em serviço de seu dono e fundador metropolitano. De outro modo, as rendas e produtos da terra e do trabalho anual do povo seguiriam indo sob a república nominal aonde fossem sob a monarquia efetiva: aonde, por exemplo? A todas as partes, menos às mãos do povo.
Comentário: Alberdi faz uma distinção aqui entre duas coisas que podem ser interpretadas como a Constituição de um Estado. A primeira é a Constituição escrita, formalizada, como é a Constituição Federal de 1988. A segunda é uma constituição histórica, tradicional, que é fruto de uma certa cultura e que de certo modo molda o modo de agir do povo em geral. Resumindo: um povo acostumado a servir não consegue tirar proveito mesmo da mais liberal das Constituições escritas. Por isso ele aponta que a transição do estado de colônia para República independente na América Latina não foi marcada por um processo de emancipação do cidadão, mas de mudança de senhorio: o escravo continua sendo o mesmo, só muda o senhor.
As velhas arcas que eram recipientes do real tesouro se perderam como as águas de um rio, que se derrama até os campos ou se dissipa em valas que vão regar os pomares da classe ou porção do povo a quem coube o privilégio de seguir ocupando a esfera do antigo poder metropolitano e do usufruto dos benefícios que a máquina real seguirá fazendo do solo e trabalho do país.
Nas mãos desta porção ou classe privilegiada do país oficial seguirá existindo o poder e a liberdade de que seguirão vendo-se excluídos e privados os povos, sucessores nominais dos antigos soberanos.
Não será o Estado, senão seu representante (que é o Governo do Estado), o que seguirá exercendo e gozando a onipotência dos meios e poderes entregues à Pátria pela maquinaria do velho edifício primitivo e colonial persistente.
Mas deixar em mãos do Governo da Pátria todo o poder público adjudicado à Pátria mesma, é deixar a todos os cidadãos que compõem o povo da Pátria sem o poder individual em que consiste a liberdade individual, que é toda e a real liberdade dos países que se governam, que se educam, que se enriquecem e engrandecem a si mesmos, pela mão de seus particulares, não de seus Governos.
Comentário: Há grupos ou classes privilegiadas que ocupam os postos dos antigos senhores coloniais, seguindo o ciclo de violação das liberdades individuais e explorando a população em benefício próprio. Isso acontece tanto quando o governo é hereditário como quando os poderes concedidos ao governo são tais que permitem aos governantes explorar todos os cidadãos e acumular poder político e econômico ilimitado.
Lingotes de ouro devidamente registrados numa Casa de Fundição, onde era recolhido o quinto (a quinta parte de todo ouro). Hoje o Imposto de Renda pago à Receita Federal pode ultrapassar este valor e chegar a 27%. Somando-se o total de impostos pagos pelo brasileiro, ele necessita trabalhar cinco meses só para sustentar o governo.
“Os antigos”, diz Coulanges, “tinham dado tal poder ao Estado, que o dia em que um tirano tomava em suas mãos esta onipotência, os homens já não tinham nenhuma garantia contra ele, e ele era realmente o senhor de sua vida e de seu destino”.
Das considerações que precedem se deduz que o despotismo e a tirania frequente dos países da América do Sul não residem no déspota e no tirano, senão na máquina ou construção mecânica do Estado, pela qual todo o poder de seus indivíduos, refundido e condensado, cede em proveito de seu Governo e fica nas mãos de sua instituição. O déspota e o tirano são o efeito e o resultado, não a causa da onipotência dos meios e forças econômicas do país postas em poder do estabelecimento de seu Governo e do círculo pessoal que personificam ao Estado pela maquinaria do Estado mesmo. Submersa e afogada a liberdade dos indivíduos neste caudal de poder público ilimitado e onipotente, resulta disto que a tirania da Pátria, onímoda e onipotente, é exercida em nome de um patriotismo por trás do qual vive eclipsada a liberdade do indivíduo, que é a liberdade patriótica por excelência.
Assim se explica que nas sociedades antigas da Grécia e da Itália, em que esta ordem de coisas era de lei fundamental, as liberdades individuais de vida, de conduta, de pensamento, de opinião, foram totalmente desconhecidas. O patriotismo tinha então nessas sociedades o lugar que tem o liberalismo nas sociedades atuais de tipo e de origem saxônica. O despotismo recebia sua sanção e desculpa do patriotismo do Governo onipotente em que a Pátria estava personificada.
A razão desta onipotência da Pátria entre os antigos é digna de ter-se sempre presente pelos povos modernos, que tomam por modelos a estes organismos mortos, de índole, de princípios e de propósitos radical e essencialmente opostos.
Comentário: É necessário ter sempre em mente que os indivíduos que compõem uma Pátria, um Estado, uma Nação, etc. são anteriores à Pátria, ao Estado e à Nação em si. Portanto, não se pode confundir o povo ou a sociedade, com o próprio governo ou o próprio estado. Os interesses do povo podem divergir dos do governo tanto quanto os interesses do coletivo divergem daqueles do indivíduo. Para que uma nação enriqueça, prospere e seja livre, é importante fugir à tentação de submeter o indivíduo ao poder do Estado e deixar que cada indivíduo livre prospere, e que a soma de seus feitos à prosperidade de outros indivíduos enriqueçam a sociedade como um todo.
Continuando o estudo da obra de Juan Bautista Alberdi, estou lendo La Omnipotencia del Estado es la Negación de la Libertad Individual (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). A análise de Alberdi é pertinente se levarmos em conta que o protecionismo e o intervencionismo continuam a todo vapor na América do Sul e têm se intensificado ainda mais com os governos esquerdistas, terceiro-mundistas e socialistas de todos os tipos. Podemos ver que, mais uma vez, os caciques, caudilhos e generalíssimos estão dispostos a submeter todo o continente ao atraso, ao autoritarismo e à censura. Em negrito, vão comentários meus sobre a primeira parte deste escrito de Alberdi.
Juan Bautista Alberdi político, escritor e um dos mais influentes liberais argentinos de seu tempo.
A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual (parte primeira)
Uma das raízes mais profundas das nossas tiranias modernas na América do Sul é a noção greco-romana do patriotismo e da Pátria, que devemos à educação clássica que nossas universidades tem copiado da França.
A Pátria, tal como a entendiam os gregos e os romanos, era essencial e radicalmente oposta ao que entendemos em nossos tempos e sociedades modernas. Era uma instituição de origem e caráter religioso e santo, equivalente ao que é hoje a Igreja, para não dizer mais santo que ela, pois era a associação das almas, das pessoas e dos interesses de seus membros.
Seu poder era onipotente e sem limites a respeito dos indivíduos de que se compunha.
Comentário: Alberdi começa criticando as tiranias recém-surgidas na América do Sul ao longo do processo emancipatório das colônias espanholas, e já denuncia o patriotismo como seu motor. O patriotismo, como explicado por ele, esmaga a liberdade individual em prol da ‘liberdade social’ (ver aqui).
A Pátria, assim entendida, era e tinha que ser a negação da liberdade individual, que é a liberdade de todas as sociedades modernas que são realmente livres. O homem individual se devia todo inteiro à Pátria; lhe devia sua alma, sua pessoa, sua vontade, sua fortuna, sua vida, sua família, sua honra.
Negar à Pátria alguma dessas coisas, era traí-la; era como um ato de impiedade.
Segundo estas idéias, o patriotismo era não só conciliável, senão idêntico e o mesmo que o despotismo mais absoluto e onímodo na ordem social.
A grande revolução que trouxe o cristianismo nas noções de homem, de Deus, de família, da sociedade como um todo, mudou radical e diametralmente as bases do sistema social greco-romano.
De qualquer forma, o renascimento da civilização antiga dentre as ruínas do Império Romano e a formação dos Estados modernos, conservaram ou reviveram os cimentos da civilização passada e morta, não no interesse dos Estados mesmos, ainda informes, senão na majestade de seus governantes, nos quais se personificavam a majestade, a onipotência e autoridade da Pátria.
Ícone do absolutismo, Louis XIV é o autor da frase “L’Etat c’est moi” (o Estado sou eu). Obra de Hyacinthe Rigaud.
Daí o despotismo dos reis absolutos que surgiram da feudalidade da Europa regenerada pelo cristianismo.
O Estado, ou a Pátria, continuou sendo onipotente à respeito da pessoa de cada um de seus membros; mas a Pátria personificada em seus monarcas ou soberanos, não em seus povos.
A onipotência dos reis tomou o lugar da onipotência do Estado ou da Pátria.
Os que não disseram: “O Estado sou eu”, pensaram e creram como os que o disseram.
Comentário: Alberdi explica o processo do surgimento do absolutismo na Europa. O soberano concentra em si a figura da Pátria, do povo como um todo. A vontade do povo é a vontade do soberano, e a vontade do soberano é a vontade do povo. O resultado disso é o total esmagamento dos indivíduos numa massa uniforme que serve aos interesses do monarca e da nobreza.
Sublevados os povos contra os reis, os substituíram no exercício do poder da Pátria, que ao fim era mais legítimo quanto a sua origem. A soberania do povo tomou o lugar da soberania dos monarcas ainda que teoricamente.
A Pátria foi todo e o único poder de direito, mas conservando a índole originária de seu poder absoluto e onímodo sobre a pessoa de cada um de seus membros; a onipotência da Pátria mesma seguiu sendo a negação da liberdade do indivíduo na república, como o havia sido na monarquia; e a sociedade cristã e moderna, em que o homem e seus direitos são teoricamente o principal, seguiu na realidade governando-se pelas regras das sociedades antigas e pagãs, em que a Pátria era a negação mais absoluta da liberdade.
Divorciado da liberdade, o patriotismo se uniu com a glória, entendida como os gregos e os romanos a entenderam.
Esta é a condição presente das sociedades de origem greco-romana em ambos os mundos (Velho e Novo). Seus indivíduos, antes de ser livres, são os servos da Pátria.
O “incorruptível” Maximilien Robespierre. Um dos envolvidos no Reino do Terror da França Revolucionária e popolista, acabou ele também sendo decapitado na guilhotina.
A Pátria é livre, enquanto não depende do estrangeiro: mas o indivíduo carece de liberdade, enquanto depende do Estado de um modo onímodo e absoluto. A Pátria é libre, enquanto absorve e monopoliza as liberdades de todos os seus indivíduos; mas seus indivíduos não o são porque o Governo retém todas as suas liberdades.
O “Contrato social” de Rousseau, convertido em catecismo de nossa revolução por seu ilustre corifeu o doutor Moreno, tem governado a nossa sociedade, na qual o cidadão segue sendo uma posse do Estado ou da Pátria, encarnada e personificada em seus Governos, como representantes naturais da majestade do Estado onipotente.
A onipotência do Estado, exercida segundo as regras das sociedades antigas da Grécia e de Roma, tem sido a razão de ser de seus representantes os Governos, chamados livres só porque deixaram de emanar do estrangeiro.
Comentário: Este é um dos trechos mais interessantes do texto. Alberdi enfatiza que o processo de derrubada da monarquia para a instauração de governos mais ‘populares’, como a democracia ou a república, não elimina o mau da tirania. Agora, é o coletivo que tiraniza o indivíduo pela força da maioria, é os 51% tirando os direitos dos outros 49%. É extremamente pertinente esta análise ainda hoje, porque o populismo ainda atrai as massas e as ilude com um poder que não tem. Além de já ter enfatizado a ‘liberdade social’ da tirania coletiva, agora Alberdi denuncia o caráter falso da liberdade prometida por estas ideologias populistas. O seu caráter independentista, libertário, emancipatório, só se dá com relação entre o Estado e uma ameaça externa (real ou imaginária): não há interesse genuíno na liberdade dos cidadãos enquanto indivíduos.
Outro foi o destino e a condição da sociedade que povoa a América do Norte.
Esta sociedade, radicalmente diferente da nossa, deveu à origem transatlântica de seus habitantes saxões a direção e compleição de seu regime político de governo, em que a liberdade da pátria teve por limite a liberdade sagrada do indivíduo. Os direitos do homem equilibraram ali em seu valor aos direitos da Pátria, e se o Estado foi liberto do estrangeiro, os indivíduos não foram menos livres com respeito ao Estado. Assim foi na Europa de sociedade anglo-saxã e assim foi na América do Norte de sociedade anglo-americana, caracterizadas ambas pelo desenvolvimento soberano da liberdade individual, mais que pela liberdade exterior ou a independência do Estado, devida, mormente a sua geografia insular na Inglaterra e ao seu isolamento transatlântico nos Estados Unidos.
A liberdade em ambos os povos saxões não consistiu em ser independente do estrangeiro, senão em ser cada cidadão independente de seu Governo pátrio.
James Madison, pai da Constituição americana e primeiro redator da Bill of Rights, é uma das muitas cabeças pensantes que garantiram aos Estados Unidos da América um dos governos mais livres e prósperos do mundo.
Os homens foram libertos porque o Estado, o poder de seu Governo não foi onipotente, e o Estado teve um poder limitado pela esfera da liberdade ou o poder de seus membros, porque seu Governo não teve por modelo o das sociedades grega e romana.
Montesquieu disse que a Constituição inglesa saiu dos bosques da Germânia, no que talvez quis dizer que os destruidores germânicos do império romano foram livres porque seu Governo não foi de origem nem tipo latino.
À liberdade do indivíduo, que é a liberdade por excelência, deveram os povos do Norte a opulência que os distingue.
Comentário: Para fechar com chave de ouro, Alberdi menciona o que elevou a Inglaterra e os Estados Unidos ao seus postos de nações prósperas: a liberdade de seus cidadãos. Pouco importa o modelo administrativo (monarquia, república, democracia), desde que estejam assegurados os direitos de cada cidadão enquanto indivíduo, para que possa viver a sua vida sem prestar contas ao governo o tempo todo ou sendo tratado como um servo. É isso que permite que as relações humanas floresçam, que o comércio e a indústria prosperem e, por fim, que a ‘Pátria’ enriqueça como um todo.
Por Mauricio Rojas. Texto originalmente publicado na Fundación Libertad em espanhol. Traduzido e adaptado para o português do Brasil por Renan Felipe dos Santos. O original se encontra aqui.
Minha posição sobre o populismo do Estado do Bem Estar Social (Welfare State) surpreendeu a um público que pensava que a miséria do populismo era uma exclusividade latinoamericana. Acostumados ao populismo palhaço e subdesenvolvido dos caudilhos iberoamericanos, às estridências de mau gosto de um Perón ou de um Chávez, com seu personalismo autoritário e errático, não tinham imaginado que poderia existir outro populismo, um populismo de país desenvolvido, mais impessoal e menos espetacular mas, no fundo, igualmente destrutivo. Menos ainda poderiam imaginar que justamente este populismo sério estava na raíz da atual crise européia.
Essencialmente, o populismo consiste em criar uma ilusão de progresso e bem-estar sobre a base de um uso irresponsável e insustentável do poder e dos recursos públicos. Isto foi o que fez por exemplo, o Perón na Argentina, gastando as grandes reservas de divisas que havia acumulado o país durante a Segunda Guerra Mundial e desperdiçando sua riqueza agrária. Isto é o que tem feito Chávez na Venezuela, graças aos petrodólares. Em suma, pão e circo, como nos velhos tempos.
Exterminadores do futuro: versão caudilho terceiro-mundista. Da esquerda para a direita: Juan Perón, Che Guevara e Hugo Chávez, respectivos destruidores das economias argentina, cubana e venezuelana.
As ilusões assim criadas duram o que duram os extraordinários recursos que as tornam possívei; logo vem as crises, e os caudilhos recorrem ao autoritarismo e à repressão para conservar o poder. Resta então o puro circo, cada vez mais gritante e brutal.
Mas, já digo, há outra maneira de fabricar a ilusão populista. Desde já algumas décadas, diversos países da Europa Ocidental vem desenvolvendo um Estado, chamado “do Bem-Estar Social” o “Benfeitor” (Welfare State), que promete às pessoas um presente e um futuro de bem-estar e segurança e gera uma sociedade dos “direitos”, que sempre vão crescendo, que sempre são mais generosos, e que permitem aos cidadãos trabalhar menos, aposentar-se antes e folgar a cada duas semanas; em suma, ser felizes e comer perdizes todos os dias.
Os cidadãos caíram no conto. Deixaram-se enganar alegremente, como se o Estado ou os políticos tivessem, tal como os caudilhos iberoamericanos, uma varinha mágica que lhes permitisse transformar em realidade tanto direito a viver melhor com menos esforço.
Os efeitos destes números de prestidigitação política tem sido notáveis. A competitividade européia vem experimentando uma grande deterioração, e o crescimento de suas economias é cada vez mais medíocre; o continente padece de euroesclerose, expressão que já se empregou há várias décadas. Quando outros se lançavam a ganhar terreno em um mercado cada vez mais globalizado à base de grandes esforços e apostando na criatividade, a velha Europa se refugiou em seus grandes Estados, supostos garantidores de direitos e níveis de vida crescentes.
A inflação dos direitos, precisamente, está na base da crise fiscal que padecemos. Os Estados prometeram, quando havia recursos –e mais ainda quando estes cresciam–, direitos de proteção social e derivados que só podiam pagar-se em situações de bonança econômica, não em tempos como os que vivemos já há quatro anos. Prometeram ilusões, como os caudilhos do outro lado do Atlântico. O cheque de bem-estar passado pelo Estado Benfeitor (Welfare State) e que supostamente ia nos proteger contra a adversidade não tinha fundos. Não foi feito para apresentar-se em momentos de verdadeira necessidade, quando muitos estão desempregados e desamparados. Por isto o déficit e a dívida tem disparado. E os todo-poderosos Estados tem tido que sair a mendigar aos mercados, para que lhes financiem sua irresponsabilidade… E assim estamos.
Exterminadores do futuro: versão democrata engomadinho. Jorge Sampaio, José Maria Aznar e Carlo Azeglio Ciampi. Respectivos destruidores das economias de Portugal, Espanha e Itália.
O populismo do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) tem tido um efeito ainda mais daninho que a crise fiscal. Sua suposta capacidade milagrosa de multiplicar os direitos deu combustível a uma concepção falsa de progresso e do bem-estar como algo conquistado para sempre. Esqueceu-se que o progresso é como andar de bicicleta: se parar de pedalar, se termina indo ao chão. Assim se formaram ao menos duas gerações de europeus. Em escolas que em vez de formá-los para o esforço e a responsabilidade os formou para reclamar direitos e inculcou a fatal crença de que o Estado Benfeitor faria tudo.
Os filhos deste engano populista estão hoje indignados. E se sentam em nossas praças a exigir seus direitos, supostamente apreendidos pelos malignos mercados ou por esta bruxa moderna chamada Angela Merkel. Dá pena ver o vazio mental que tem estes jovens, em cujas escolas se brinca mais do que se estuda, e as quais brilham por sua ausência de esforço e responsabilidade.
Esta crise moral é o impedimento mais importante e daninho da ilusão populista dos Estados “do Bem-Estar”, a que mais nos custará superar. Temos de esforçar-nos mais, estudar mais, inovar mais, responsabilizar-nos mais. Em suma, temos de tomar pleno controle de nossas vidas e nosso destino.
Chegando a este ponto, convém recordar a famosa resposta dada por Kant à pergunta “o que é o Iluminismo?”:
É a saída do homem de sua minoridade (…) A minoridade encontra-se na incapacidade de servir-se do próprio entendimento, sem a direção de outro. A própria pessoa é culpada desta minoridade quando a causa dela não jaz em um defeito do entendimento, senão na falta de decisão e ânimo para servir-se com independência dele, sem a condução de outro.
De Carlos Alberto Montaner. Artigo traduzido da versão em espanhol disponível no site da ODLV (Organización por la Democracia Liberal en Venezuela).
O Taiwan é uma ilha menor que a Costa Rica e quase tão povoada quanto a Venezuela. Não tem petróleo nem riquezas naturais. Em 1949 era mais pobre que Honduras e mais tiranizada que o Haiti. Hoje é uma democracia estável duas vezes mais rica que a Argentina. Há alguma lição a aprender? Pelo menos sete. Suponho que Chávez, Correa, Ortega, Morales e Raúl Castro, os cinco cavaleiros do Apocalipse do Século XXI, deveriam prestar atenção.
Primeira lição. Não há destinos imutáveis. Em quatro décadas, o Taiwan logrou superar a tradicional pobreza e despotismo que sofria o país há séculos até converter-se numa nação de primeiro mundo com um per capita de $37,900 anuais medido em paridade de poder de compra. Este milagre econômico se levou a cabo em apenas duas gerações. A pobreza ou a prosperidade são opcionais em nossa época.
Segunda lição. A teoria da dependência é totalmente falsa. As nações ricas do planeta – o chamado centro – não designaram aos países da periferia econômica o papel de supridores ou abastecedores de matérias-primas para perpetuar a relação de vassalagem. Nenhum país (salvo a China continental) tentou prejudicar o Taiwan. Esta visão paranóica das relações internacionais é uma mentira. Não vivemos em um mundo de países algozes e países vítimas.
Terceira lição.
O desenvolvimento pode e deve ser para benefício de todos. Mas a divisão equitativa da riqueza não se obtém redistribuindo o que foi criado, senão agregando-lhe valor à produção paulatinamente. Os taiwaneses passaram de uma economia agrícola a outra industrial, mas o fizeram mediante a incorporação de avanços tecnológicos aplicados à indústria. O operário de uma fábrica de chips ganha muito mais que um camponês dedicado à produzir açúcar porque o que ele produz tem um valor muito maior no mercado. Isto explica porque o Índice Gini do Taiwan – o que mede as desigualdades – seja um terço melhor que a média latinoamericana. Só 1,16% dos habitantes deste país está sob o umbral da pobreza extrema.
Quarta lição.
A riqueza no Taiwan é fundamentalmente criada pela empresa privada. O Estado, que foi muito forte e intervencionista no passado, foi se retirando da atividade produtiva. O Estado não pode produzir eficientemente porque não está orientado a satisfazer a demanda, gerar benefícios, melhorar a produtividade e investir e crescer, senão para privilegiar a seus quadros e a fomentar a clientela política.
Quinta lição.
No muito citado começo de Ana Karenina, Tolstoy assegura que todas as famílias felizes se parecem umas às outras. A observação pode aplicar-se aos quatro dragões ou tigres asiáticos: Taiwan, Singapura, Coréia do Sul e Hong Kong. Ainda que tenham tomado caminhos parcialmente distintos até o topo do mundo, se parecem nestes cinco pontos:
Criaram sistemas econômicos abertos baseados no mercado e na propriedade privada.
Os governos mantém a estabilidade cuidando das variáveis macroeconômicas básicas: inflação, gastos públicos, equilíbrio fiscal e, por consequência, o valor da moeda. Com isto, facilitam a economia, o investimento e o crescimento.
Melhoraram gradualmente o Estado de Direito. Os investidores e os agentes econômicos contam com regras claras e tribunais confiáveis que lhes permitem fazer investimentos a longo prazo e desenvolver projetos complexos.
Abriram-se à colaboração internacional, entrando de cabeça na globalização, apostando na produção e exportação de bens e serviços que são competitivos, em lugar do nacionalismo econômico que postula a substituição de importações.
Focaram na educação, na incorporação da mulher no trabalho e no planejamento familiar voluntário.
Sexta lição. O caso do Taiwan demonstra que um país governado por um partido único de mão forte, como era o caso do Kuomintang, pode evoluir pacificamente para a democracia e o multipartidismo sem que a perda de poder traga perseguições ou desgraças a quem até o momento deteve este processo. A essência da democracia é esta: a alternabilidade e a existência de vigorosos partidos de oposição que auditam, revisam e criticam o trabalho do governo. A imprensa livre é benéfica.
Sétima lição. Em essência, o caso taiwanês confirma o valor superior da liberdade como atmosfera em que se desenvolve a convivência. A liberdade consiste em poder tomar decisões individuais em todos os âmbitos da vida: o destino pessoal, a economia, as tarefas cívicas, a família. Não há contradição alguma entre a liberdade e o desenvolvimento. Quanto mais livre é uma sociedade mais prosperidade será capaz de alcançar. Para isto, claro, é imprescindível que a imensa maioria das pessoas, encabeçadas pela classe dirigente, se submetam voluntária e responsavelmente ao império da lei.