Ainda o processo eleitoral e seus entraves: a propaganda desdenhando da verdade

Terminei o artigo do mês passado ressaltando a importância da modéstia na política ao reiterar que cabe ao Estado lutar contra a miséria evitável, deixando o aumento da felicidade, de um modo geral, por conta da iniciativa privada ou individual. Tal observação apresenta-se mais uma vez como pertinente na análise dos efeitos da propaganda no processo eleitoral. Antes disso, nós devemos achar importante o esclarecimento da atitude da posição racionalista em face de outras tais como o apelo à violência e uma inconsequente recorrência à arte da persuasão, por meio da propaganda, para convencer alguém ou mesmo um país inteiro a aderir a determinados ideais. Popper diz em Utopia e Violência:

Um racionalista, no sentido em que uso aqui o termo, é uma pessoa que se esforça por chegar às decisões por meio de argumentos, em alguns casos, graças a um compromisso mas nunca através do recurso à violência. Um racionalista é uma pessoa que prefere não ser bem sucedida na sua tentativa de convencer alguém, a ser bem sucedida em dominar esse alguém pela violência, pela intimidação ou pela ameaça, ou apenas pela arte da persuasão recorrendo à propaganda (POPPER, 1981, p.4).

Portanto, quando duas pessoas estão em desacordo a razão disso é por terem opiniões ou interesses diversos ou mesmo ambas as coisas. Existem na vida social, de acordo com Popper, divergências de opinião que precisam ser resolvidas de qualquer maneira. Segue-se que há perguntas que precisam ser esclarecidas pois negligenciá-las nos levará a novas dificuldades cujo efeito acumulativo causa uma tensão insuportável.

Diante disso, nesse contexto de opiniões ou interesses conflitantes, como podemos chegar a uma decisão? O filósofo austríaco assinala duas vias possíveis: o argumento (quando uma pessoa recorre de seus direitos em um tribunal, por exemplo) ou a violência. Ou podemos buscar um compromisso razoável ou uma tentativa de rejeitar violentamente o interesse ou as opiniões de nossos adversários – seja por meio de emboscadas, recorrendo ao uso de armas etc.

Com tudo isso em vista, como podemos compreender, da melhor forma, a atitude ou posição racional? Popper diz que pode ser a partir de “[…] uma distinção clara entre a tentativa de convencer alguém por meio de argumentos e a tentativa de persuadir esse alguém por meio da propaganda” (POPPER, 1981, p.4). Para entender de forma ainda mais interessante essa diferenciação, pensemos no nosso país, que vive um ano eleitoral e os ânimos se acirram a cada dia que passa.

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Desaprendemos a ser Conservadores

Desde que a esquerda tomou de assalto o jogo político e os conservadores foram deixados de lado (assim como os liberais), desenvolveu-se uma ânsia pela retomada na participação que fez com que os conservadores deixassem de se-lo. Isso em muito se justifica pela aliança excessiva que se formou com movimentos de cunho liberal, com os quais podemos ter certos aspectos em comum, mas que, retomando espaço no jogo político, certamente tomariam caminhos distintos devido à sua natureza, até certo ponto, progressista. Outro ponto que deve ser levado em consideração é também o apego a causas que em nada contribuem para com a retomada de um espaço político.

Há no pensamento conservador alguns pilares centrais, dos quais derivam toda e qualquer decisão e ação política considerada. Mas toda boa construção possui uma sólida fundação para seus pilares. Essa fundação pode ser vista como a mínima moral necessária, composta pelos princípios fundacionais de um determinado agrupamento social. A fundação de um agrupamento social acarreta, imediatamente, no estabelecimento de uma ordem, que será espontaneamente mantida caso sejam mantidos intactos os princípios fundamentais convencionados por esse grupo.

O resultado prático desse raciocínio, na política, é que o conservador vai pensar cada medida proposta do prisma da manutenção da ordem. E para a manutenção da ordem, é necessário que os princípios básicos se mantenham intactos, o que ocorre através do travamento de qualquer proposta que venha a alterá-las e colocar a sociedade nos trilhos de um suposto progresso. É necessário o travamento de qualquer proposta que vise alterar a moral da sociedade pelas vias legislativas.

Mas isso não significa engessar a moral através da lei. O conservador valoriza o que é socialmente construído ao longo das décadas, inclusive a gradual mudança de pensamento. Isso faz com que, novamente pensando na manutenção da ordem e em uma estratégia de contra-revolução, se façam concessões em aspectos que se mostrem devidamente enraizados no imaginário popular. Para evitar a revolta e a derrubada de todo um sistema, faz-se uma reforma que visa manter a saúde do corpo social.

O Ocidente, desde sua formação na era medieval, foi conservador de forma esplêndida, provavelmente inimitado em sua competência para manter sua essência intacta. Os artigos escritos sobre um novo renascimento em parte buscam dissertar sobre isso, a capacidade de o ocidente se reinventar de modo a evitar seu próprio colapso. Quando a população já não mais suportava a aliança entre a Igreja e o Estado, o ocidente os separou, e enraizou no Estado uma estrutura semelhante à da Igreja para manter as estruturas civilizacionais intactas. Quando a moda no oriente foram as revoluções socialistas, o Ocidente inventou o Estado de Bem Estar, que se mostrou mais eficiente em salvar os inaptos do que a burocracia soviética.

O grande problema é que o Estado de Bem Estar Social está a entrar em colapso devido às excessivas benesses que passou a oferecer ao longo dos anos, e os conservadores se mostram inertes e incapazes, sufocados entre liberais e socialistas, de definir quais causas podem servir como concessão e reforma legítima visando a manutenção da ordem, e quais servem justamente à destruição dessa ordem mantida ao longo de séculos. Como resposta a essa asfixia, alguns conservadores abraçam um nacionalismo já a muito superado e estigmatizado, outros aderem totalmente às bandeiras liberais,  outros se mantém completamente agarrados ao status quo, enquanto alguns pretendem voltar atrás quase meio milênio. Todas essas medidas que resultam em um suicídio político.

Há de se retomar o raciocínio que Aristóteles empreendeu em A Política para verificar quais são as instituições basilares da civilização nos dias de hoje, após séculos de liquidez com análises quase que exclusivamente marxistas e interessadas na queda dessas instituições, desvalorando-as a priori. A verificação dessas instituições nos permitirá perceber o que deve ser mantido a qualquer custo e como realizar essa manutenção. Não cabe ao pensamento conservador pregar uma espécie de balbúrdia do poder contra os costumes e tradições vigentes para levar a sociedade ao que seria um ideal, isso é papel de engenheiros sociais.

Por isso não se deve descartar a priori nenhuma linha de pensamento que surja. Deve-se verificar quais delas podem ser utilizadas para um propósito de conservação, que muitas vezes é contrário ao que se propõe em um primeiro momento (muitos pensamentos teoricamente contestatórios podem servir para a manutenção da ordem ao invés de sua destruição). E ao se utilizar de um pensamento supostamente contrário para sustentar uma conservação velada conquista-se uma base de apoio não só para a reforma pretendida, mas muitas vezes para outras medidas acessórias.

Os conservadores de antigamente souberam fazer isso de forma magistral. Cabe a nós, que combatemos o progressismo nos dias de hoje, relembrar como fazê-lo.

Egoísmo

Diversas são as justificantes do esquerdismo após a queda do muro de Berlim. A que mais me chama atenção é quando tentam, em tons de ofensa, acusar a Direita de ser egoísta. Nenhuma palavra tem sido tão mal utilizada desde então como a palavra egoísmo. Chegamos a um cenário tão crítico, que as pessoas mesmo por muitas vezes entendendo a que ponto o pensamento de direita é moral, tem medo de o assumir, medo de ser taxada de egoísta, ou qualquer dos outros rótulos que tem acompanhado a pecha de direitista. A direita, por valorizar o indivíduo é egoísta? Interessante.

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Para entender do porque a existência de tal tabu, é primeiro interessante verificar de onde vem o pensamento de direita atual: diferentemente da antiga direita europeia, que advogava a continuidade de uma sociedade teocrática, rigidamente hierarquizada (com baixa mobilidade dentro dessa hierarquia), e sempre tradicional, a direita de hoje é algo que mistura o liberalismo clássico com o conservadorismo (uma espécie de gradualismo) e tradicionalismo. Esse liberalismo clássico, na medida em que apoia ideologicamente a “nova direita”, é pautado em uma noção individualista de mundo: o indivíduo é o átomo essencial da sociedade, e, portanto, deve ser protegido e defendido em sua vida, liberdade e propriedade privada contra os abusos do Estado e de terceiros. É aí o momento em que começam as distorções que confundem, propositalmente, individualismo com egoísmo.

Oras, como pode ser egoísta uma doutrina que busca um ambiente mais livre para todos? Uma sociedade em que todos sejam livres para agir, se expressar, empreender, viver, errar e tentar novamente? Só pode ser um louco aquele que diz que isso é uma expressão do egoísmo. A liberdade é a mais alta expressão da razão, o mais nobre dos desejos humanos. Como tal, pertence a todos como indivíduos, e não apenas a alguns “iluminados” que pensam em governar a terra.

Mas não é aqui que termina o pensamento de direita. Por mais belo que seja o pensamento liberal, ele por si só não esgota aquilo que este lado do espectro político pode proporcionar. A direita traz um conceito de gradualismo que se mostra essencial na manutenção de qualquer coesão social. Este é mais um conceito distorcido pela desonestidade do pensamento canhoto, já que não implica na resistência total a mudanças, mas sim na resistência contra as mudanças em aspectos morais fundamentais. Mudanças sociais sempre irão existir, porém devem ser ponderadas, de modo que não se afete o equilíbrio e a harmonia social. As bases da sociedade não precisam ser derrubadas para que se corrija uma injustiça: corrigimos as injustiças, e assim mantemos as bases da civilização ocidental.

Agora, o que realmente torna interessante o argumento esquerdista de que a direita é egoísta é o que vem a seguir: a direita mantém um profundo respeito pelas tradições e costumes de seu povo. Aqui se somam aspectos que podem ser muitas coisas, mas não egoístas. Respeita-se o indivíduo, muda-se com segurança e respeita-se aquilo que é construído coletivamente, isto é, a moral, as tradições, as instituições. Ninguém é sobrepujado pelo coletivo, assim como o coletivo não é deixado de lado. Mas por não ser tratado como um ente abstrato, sujeito de toda a história e de todas as relações humanas, a direita é tratada como sendo egoísta. Por buscarmos um equilíbrio entre os atores da civilização, ao invés de sucumbirmos à baboseira de que tudo se resume às guerras de classe, somos taxados como tal.

Mas eu pergunto: como pode alguém que não possui o menor respeito pelo indivíduo e suas liberdades ser considerado qualquer coisa, que não egoísta? Como pode aquele ser autoritário, que busca se afirmar por meio da violência da revolução, a mais autoritária das manifestações políticas, ser considerado qualquer coisa, que não egoísta? Como pode alguém que não nutre o menor respeito pelas tradições e costumes, coletivamente construídos através de décadas, em nome de sua grande ideia, ser considerado qualquer coisa, que não egoísta?

E mais: Não é egoísta um grupo político egoísta aquele que faz sua propaganda e auto-promoção em cima da desgraça e pobreza alheia? Não à toa, por muito foram chamados de sinistros. Afinal de contas, de acordo com a esquerda, pobre que se torna bem sucedido é “traidor do movimento”. A esquerda se comporta como um verdadeiro sanguessuga: depende muito mais dos pobres para sua propaganda, do que os pobres dependem da esquerda. Age como defensora dos pobres e dos oprimidos apenas para vencer as próximas eleições, prometendo esmolas e agindo de maneira populista e odiosa. Inventa conflitos que jamais existiram na sociedade para defender os direitos de um dos lados e criar um curral eleitoral. Promove a guerra de classes todos os dias pois viu que a mesma, naturalmente, não existe.

A esquerda se julga a iluminada para governar a humanidade. Esta última, composta por seres inertes e inanimados, cujo esplendor e vida transbordam ao serem tocados pela luz do Estado paternalista canhoto. Não há política mais presunçosa e egoísta que a política da esquerda. Para esta, não há legitimidade no  que por ela não é construído.