A controversa cidade privada de Honduras

Audacioso projeto hondurenho da criar cidades autônomas pode inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento para o país. O projeto, não muito distante de realidades vividas hoje por cidades como Singapura e Hong Kong, promete trazer mais liberdade e prosperidade para os hondurenhos. Matéria traduzida do site da BBC. Para ler o artigo original em espanhol, clique aqui.

Será um território com suas próprias leis, seu sistema tributário, sua política de imigração e sua polícia. Será uma espécie de ilha dentro de um país soberano. Se chamará “cidade modelo”. E ficará em Honduras.

Esta terça-feira, o governo desta nação deu o sinal verde ao polêmico projeto, com o qual espera impulsionar o desenvolvimento.

Para isto assinou o memorando de entendimento, que servirá de marco para a criação da primeira de tais cidades, em um lugar ainda não definido.

Seus críticos falam de nada menos que privatização do solo hondurenho: as cidades modelos serão construídas por investidores privados e geridas de maneira autônoma.

Seus defensores desmentem esta versão.

“O Estado de Honduras seguirá exercendo seu direito à soberania em matéria de defesa e relações exteriores sobre as cidades modelos, de modo que não se trata de uma venda de território”, disse o presidente do Congresso, Juan Orlando Hernández.

Do que se trata
De fato, a jurisdição de Honduras sobre a “cidade modelo” abarcaria muito pouco fora destes dois campos. O outro que ficará “sujeito ao governo nacional” são “os assuntos eleitorais e emissão de documentos de identidade e passaporte”.

Além disso, a cidade modelo ou Región Especial de Desarrollo (Região Especial de Desenvolvimento, como se chama nos documentos oficiais) será, para alguns, como um país criado dentro de outro país.

O estatuto e as leis que a regulamentarão, assim como os convênios que firmem, deverão ser referendados pelo governo de Honduras. É o que consta na reforma Constitucional de 2011, que foi necessária para abrir caminho ao polêmico projeto.

Mas uma vez estabelecido este marco legal, a cidade estará por sua conta para governar-se, administrar-se, assinar tratados, estabelecer sua própria política monetária, criar órgãos de aplicação da lei (como tribunais e polícia), fazer seu próprio orçamento e até “contrair suas próprias dívidas internas ou externas, sempre que sejam sem o aval do Estado de Honduras”.

A cidade não terá que transferir recursos a Tegucigalpa exceto para “financiar bolsas de estudo ou em caso de catástrofes nacionais”, segundo indicou a imprensa local.

A favor e contra
Para o ex-fiscal de Defesa da Constituição, Oscar Cruz, a verdadeira catástrofe está na autorização de um modelo que, em sua opinião, constitui um “escárnio ao Estado”.

Segundo Cruz, com isto “se cede parte do território nacional e da população adscrita sem por-lhe limite nem em número nem em extensão”.

O ex-fiscal redigiu o recurso de inconstitucionalidade contra as cidades modelo, que atualmente corre ante a Corte Suprema de Justicia.

Também o relator de Liberdade de Expressão da ONU, Frank la Rue, as considera “uma violação à soberania nacional e à garantia de respeito e promoção dos Direitos Humanos que tem o Estado com a população em seu território”, segundo escreveu em um informativo após uma visita em agosto deste ano.

Outra fonte de debate é onde serão construídas as polêmicas cidades. Organizações de defesa dos direitos dos povos indígenas temem a expropriação de territórios para seu estabelecimento.

Para a Organización Fraternal Negra Hondureña (Ofraneh), o projeto mascara a intenção de entregar “100 quilômetros quadrados de território nacional ao capital financeiro internacional”, para permitir todo tipo de ilegalidades, como a lavagem de dinheiro.

Mas segundo os promotores da iniciativa, nada está mais longe da verdade. Segundo assinala a reforma constitucional, seu objetivo último é promover o desenvolvimento, através da criação de oportunidades e empregos.

“Para 2013 poderíamos ter ao menos 13.000 novos empregos; 30.000 para o ano de 2014 e 45.000 para 2015”, afirmou o presidente do Congresso.

De onde saiu
Ou como disse o presidente da Comisión para la Promoción de la Alianza Público-Privada (Comissão para a Promoção da Aliança Público-Privada), criada pelo governo para gerir as “cidades modelo”, estas são “a potência que pode converter a Honduras em um motor de riqueza”.

O projeto está inspirado na ideia da charter city do economista estadunidense Paul Romer.

charter city começaria como “um pedaço de território desabitado do tamanho de uma cidade, e uma carta ou constituição que especifica as regras que se aplicarão ali”, explicou Romer em uma entrevista com o blog Freakonomics.

“Se a Constituição contém boas regras (ou, como dizemos profissionalmente, boas instituições), milhões de pessoas se unirão para construir uma nova cidade”, adionou.

Segundo Romer, uma cidade bem gerida promete benefícios para todos. E quanto mais pessoas vivam na cidade, maior será a produtividade, e mais estendidos estes benefícios.

“A evidência sugere que muitas sociedades estão presas à regras deficientes. Mover-se para melhores normas pode ser muito mais difícil do que crê a maioria dos economistas. A construção de uma charter city é uma sugestão de como mudar a dinâmica das regras”, sustenta.

É o tipo de mecanismo de ativação que as autoridades hondurenhas esperam por a funcionar com sua primeira cidade modelo.

Até agora, o país recebeu US$4 milhões da Coréia do Sul para os trabalhos iniciais de uma primeira cidade modelo. Se espera um investimento adicional de US$15 milhões para a infraestrutura básica, segundo o que disse o presidente do Congresso.

O caminho a seguir parece estar marcado e não ser muito longo: se espera que os trabalhos comecem em outubro.

Sete lições do Taiwan para a América Latina

De Carlos Alberto Montaner. Artigo traduzido da versão em espanhol disponível no site da ODLV (Organización por la Democracia Liberal en Venezuela).

O Taiwan é uma ilha menor que a Costa Rica e quase tão povoada quanto a Venezuela. Não tem petróleo nem riquezas naturais. Em 1949 era mais pobre que Honduras e mais tiranizada que o Haiti. Hoje é uma democracia estável duas vezes mais rica que a Argentina. Há alguma lição a aprender? Pelo menos sete. Suponho que Chávez, Correa, Ortega, Morales e Raúl Castro, os cinco cavaleiros do Apocalipse do Século XXI, deveriam prestar atenção.

Primeira lição.
Não há destinos imutáveis. Em quatro décadas, o Taiwan logrou superar a tradicional pobreza e despotismo que sofria o país há séculos até converter-se numa nação de primeiro mundo com um per capita de $37,900 anuais medido em paridade de poder de compra. Este milagre econômico se levou a cabo em apenas duas gerações. A pobreza ou a prosperidade são opcionais em nossa época.

Segunda lição.
A teoria da dependência é totalmente falsa. As nações ricas do planeta – o chamado centro – não designaram aos países da periferia econômica o papel de supridores ou abastecedores de matérias-primas para perpetuar a relação de vassalagem. Nenhum país (salvo a China continental) tentou prejudicar o Taiwan. Esta visão paranóica das relações internacionais é uma mentira. Não vivemos em um mundo de países algozes e países vítimas.

Terceira lição.
O desenvolvimento pode e deve ser para benefício de todos. Mas a divisão equitativa da riqueza não se obtém redistribuindo o que foi criado, senão agregando-lhe valor à produção paulatinamente. Os taiwaneses passaram de uma economia agrícola a outra industrial, mas o fizeram mediante a incorporação de avanços tecnológicos aplicados à indústria. O operário de uma fábrica de chips ganha muito mais que um camponês dedicado à produzir açúcar porque o que ele produz tem um valor muito maior no mercado. Isto explica porque o Índice Gini do Taiwan – o que mede as desigualdades – seja um terço melhor que a média latinoamericana. Só 1,16% dos habitantes deste país está sob o umbral da pobreza extrema.

Quarta lição.
A riqueza no Taiwan é fundamentalmente criada pela empresa privada. O Estado, que foi muito forte e intervencionista no passado, foi se retirando da atividade produtiva. O Estado não pode produzir eficientemente porque não está orientado a satisfazer a demanda, gerar benefícios, melhorar a produtividade e investir e crescer, senão para privilegiar a seus quadros e a fomentar a clientela política.

Quinta lição.
No muito citado começo de Ana Karenina, Tolstoy assegura que todas as famílias felizes se parecem umas às outras. A observação pode aplicar-se aos quatro dragões ou tigres asiáticos: Taiwan, Singapura, Coréia do Sul e Hong Kong. Ainda que tenham tomado caminhos parcialmente distintos até o topo do mundo, se parecem nestes cinco pontos:

  • Criaram sistemas econômicos abertos baseados no mercado e na propriedade privada.
  • Os governos mantém a estabilidade cuidando das variáveis macroeconômicas básicas: inflação, gastos públicos, equilíbrio fiscal e, por consequência, o valor da moeda. Com isto, facilitam a economia, o investimento e o crescimento.
  • Melhoraram gradualmente o Estado de Direito. Os investidores e os agentes econômicos contam com regras claras e tribunais confiáveis que lhes permitem fazer investimentos a longo prazo e desenvolver projetos complexos.
  • Abriram-se à colaboração internacional, entrando de cabeça na globalização, apostando na produção e exportação de bens e serviços que são competitivos, em lugar do nacionalismo econômico que postula a substituição de importações.
  • Focaram na educação, na incorporação da mulher no trabalho e no planejamento familiar voluntário.

Sexta lição.
O caso do Taiwan demonstra que um país governado por um partido único de mão forte, como era o caso do Kuomintang, pode evoluir pacificamente para a democracia e o multipartidismo sem que a perda de poder traga perseguições ou desgraças a quem até o momento deteve este processo. A essência da democracia é esta: a alternabilidade e a existência de vigorosos partidos de oposição que auditam, revisam e criticam o trabalho do governo. A imprensa livre é benéfica.

Sétima lição.
Em essência, o caso taiwanês confirma o valor superior da liberdade como atmosfera em que se desenvolve a convivência. A liberdade consiste em poder tomar decisões individuais em todos os âmbitos da vida: o destino pessoal, a economia, as tarefas cívicas, a família. Não há contradição alguma entre a liberdade e o desenvolvimento. Quanto mais livre é uma sociedade mais prosperidade será capaz de alcançar. Para isto, claro, é imprescindível que a imensa maioria das pessoas, encabeçadas pela classe dirigente, se submetam voluntária e responsavelmente ao império da lei.

Artigo original em espanhol aqui.