Esse artigo foi escrito por Bruno Gimenes Di Lascio
Quando o sábio primeiro-ministro britânico Winston Churchill disse que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as outras experimentadas, expôs, a um só tempo, a qualidade que o sistema democrático possui ao abarcar as liberdades civis quando comparado aos demais regimes, e o seu defeito mais fatal: a capacidade autodestrutiva inerente a esse mesmo sistema, seja ele tenro ou solidamente consolidado.
Hugo Chávez Frias, o ex-presidente moribundo e agora falecido de uma Venezuela mais enferma ainda é o representante máximo do lado falho referido por Churchill. Autoritário desde o início de sua carreira militar, pouco se sabe que o mais famoso caudilho da América Latina é o fruto rebelde do projeto de conquista do continente tramado por lideranças associadas ao chefe máximo do esquema, Fidel Castro. Juntamente com o ditador cubano, representantes dos movimentos comunistas latino-americanos – dos sindicalistas brasileiros aos narcoguerrilheiros colombianos das FARC – planejaram a subida ao poder em seus respectivos países numa plataforma revolucionária distinta da do falido comunismo europeu (greves gerais, guerrilhas, terrorismo), basicamente por meio da corrupção interna das instituições livres que sustentavam precariamente as democracias no Novo Mundo, bem como o aliciamento ideológico dos meios de produção cultural e propaganda – jornais, editoras e universidades.
Chávez, distintamente do combinado, tentou o modus operandi clássico do totalitarismo bolchevique, e tentou golpear o poder constituído venezuelano em 1992, sem qualquer sucesso. Preso e liberto, chegou ao poder em 1998 pela via democrática portando ternos alinhados, discurso prudencial e promessa de cumprir os ditames constitucionais da Constituição venezuelana. Bastou a explosão dos preços dos barris de petróleo para o governo federal venezuelano catapultar a imagem de seu líder à esfera de rei do povo, com a máxima conveniência dos oposicionistas que, sem meios institucionais para barrar a centralização do poder nas mãos do coronel golpista, abdicaram de disputar eleições parlamentares, dando chance dourada aos governistas de assumirem o completo controle do parlamento venezuelano. O processo de desfiguração da nação não tardou.
Pautado em seu incontestável carisma, assim como todo político populista que assume ares de pregador religioso diante da sôfrega população, Chávez passou a realizar a famigerada “democracia plebiscitária” para aprovar suas investidas mais ditatoriais.
Através de plebiscitos pueris, a democracia parlamentar representativa legítima se esvai sutilmente, envenenada em doses homeopáticas até que sua consistência já não seja mais percebida.
Com manobras políticas eficientes, discursos longuíssimos e unilaterais dos meios de comunicação e tutela material para as massas famintas do povo, o governo socialista aprovou leis e emendas constitucionais que bastaram para permitir a reeleição infinita de seu presidente, bem como a modificação do coeficiente eleitoral para que a oposição, detentora de mais votos nos pleitos legislativos, obtivesse menos cadeiras nos parlamentos.
Concentrado o poder em suas mãos, Hugo Chávez fechou jornais e impediu que outros veículos tivessem suas concessões renovadas; prendeu juízes que despachavam conforme os entendimentos tradicionais do legalismo; reprimiu seus opositores, mantendo encarcerado e desamparado seu maior rival político, Alejandro Peña Esclusa, que à época possuía câncer; roubou propriedades privadas que não produziam aquilo que o governo desejava, mas que atendiam às demandas do mercado; patrocinou a eleição de outros candidatos à tiranetes em países vizinhos, influindo ilicitamente no direito eleitoral estrangeiro; suportou, financiou e incentivou o proliferamento do narcotráfico guerrilheiro das FARC, milícia mais assassina do continente e inimiga principal do povo colombiano; aliou-se a ditadores sanguinários da África e do Oriente Médio, além de diversas outras ilegalidades de ordem internacional que paulatinamente prejudicaram a economia venezuelana.
Em contraste com a pujante opinião crítica que ainda possui dentro da imprensa ocidental, o chavismo consegue espantar pela incontinência de seu rebanho ideologizado, numericamente representado por bajuladores insones do socialismo soviético, passando pelos revoltadinhos-moderninhos orgulhosos da revolução bolivariana e aterrissando nas terras férteis da burguesia de Estado, aquela que, concubina das benesses do Poder Público, usufrui deste de forma a jamais ter de revigorar seu status quo atuando como elite econômica verdadeira, isto é, competidora dentro da economia de mercado.
Sobre as classes baixas, o ditador comunista frequentemente assistencializou as famílias venezuelanas com o capital advindo dos petrodólares a ponto de a mídia cobaia sulamericana chamar esse vil suborno de “justiça social”, malgrado a esmola estatal cesse e todos os progressos adquiridos por essas mesmas pessoas terminem concomitantemente. A administração da pobreza com gorjetas políticas é prática corriqueira no messianismo comunista bolivariano, fórmula deveras eficiente para se manter o poder perpétuo, porém absolutamente indesejável quando se nota que a superação da pobreza se dá precisamente através do pleno emprego e do desvinculamento do indivíduo do governo.
Chávez afirmava que o chavismo transcendia seu corpo em direção às ruas e ao espírito do povo. O culto à personalidade sempre foi o refúgio do autoritarismo. Pode uma sociedade votar em um candidato conhecidamente inimigo das liberdades civis, em especial o sufrágio universal, e, ainda assim, traduzir todo o processo de escolha do mandatário em “ato democrático”? Pode a democracia alçar ao poder justamente aqueles que desejam ardilmente corrompê-la e eliminá-la? Sir Winston Churchill, combatente voraz do nazismo e do comunismo, diria que sim. O chavismo e seu filhote cancerígena, o bolivarianismo, são as provas de que o vetusto literato nobelado ainda tem muita razão.
Por Bruno Gimenes Di Lascio