O Demolidor de Presidentes (Parte III)

V. Governador do Estado da Guanabara
Em 1960, o eleitorado foi às urnas para eleger não só o governador do estado, mas também o sucessor de JK na presidência da República. Jânio Quadros venceu o general Lott com uma margem mais confortável que a de Lacerda sobre seus opositores, o deputado Sérgio Magalhães (PTB-PSB) e Tenório Cavalcanti, político do município de Duque de Caxias, que conseguiu arrebanhar mais de 20% dos votos cariocas.

Vencida a eleição, o grande desafio era: como um político nacional, radical, que
desprezava a “política da conversa”, poderia articular apoios para governar, fazer
alianças com os grupos locais, construir, enfim, as bases políticas de um novo estado? Lacerda apostou na montagem de um governo “técnico”, constituído com base em critérios de impessoalidade, neutralidade e racionalidade.

Realizou um governo dinâmico, reconhecido pelo impulso que deu à educação, implantando a obrigatoriedade escolar, construindo inúmeras escolas primárias – com o apoio da Fundação Otávio Mangabeira – e criando a Universidade do Estado da Guanabara, além de inúmeras escolas técnicas e ginásios. Fez elevados investimentos em obras públicas, principalmente no que tange ao abastecimento de água, como a estação de tratamento de água do Guandu, e o tratamento de esgoto.

Seu governo destacou-se também pela construção de grandes obras que mostraram suas habilidades de administrador e consolidaram a simpatia da população. Seu Secretário de Obras foi o eminente engenheiro civil e sanitarista Enaldo Cravo Peixoto. Construiu a estação de tratamento de água do Guandu (até hoje a maior do país) e um sistema de distribuição que resolveram um centenário problema de abastecimento – como a falta de água crônica. Construiu túneis importantes para o trânsito de veículos, como o Santa Bárbara e o Rebouças, ligando a Zona Norte à Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro. Terminou a construção e reurbanização do aterro do Flamengo. Removeu favelas de bairros da zona sul e Maracanã, criando o parque da Catacumba, o campus da UEG (atual UERJ), e instalando seus antigos habitantes em conjuntos habitacionais afastados como Cidade de Deus e Vila Kennedy. Construiu inúmeras escolas e manteve um alto padrão de qualidade dos hospitais públicos. Educação, urbanização e habitação foram as áreas mais beneficiadas, e que até hoje, não por acaso, dão a Lacerda um lugar privilegiado na memória carioca.

VI. A renúncia de Jânio Quadros e a Revolução de 64
Em 1961, discursou pela televisão atacando o então Presidente Jânio Quadros. A renúncia de Jânio ocorreu em seguida, a 25 de agosto. A fama de “demolidor de presidentes” voltou com força, ainda mais pela movimentação subseqüente para impedir a posse do vice João Goulart, o herdeiro do getulismo.

Em 1965, fundou a editora Nova Fronteira, que publicou importantes autores nacionais e estrangeiros, inclusive o dicionário Aurélio. Escreveu numerosos livros, entre eles O Caminho da Liberdade (1957), O Poder das Ideias (1963), Brasil entre a Verdade e a Mentira (1965), Paixão e Ciúme (1966), Crítica e Autocrítica (1966), A Casa do Meu Avô: pensamentos, palavras e obras (1977). Depoimento (1978) e Discursos Parlamentares (1982) foram compilados e publicados após a sua morte.

Foi um dos líderes civis da Revolução de 1964, porém voltou-se contra o Regime Militar, com a prorrogação do mandato do presidente Castelo Branco.

VII. A Traição de Castelo Branco e a perseguição política
Decidido a exorcizar o fantasma do “demolidor”, o general-presidente Castelo Branco suspendeu as eleições previstas para 1965 e obteve a prorrogação de seu mandato até março de 1967. Segundo Lacerda, a prorrogação do mandato de Castelo Branco levaria à consolidação do governo numa ditadura militar permanente no Brasil, o que realmente aconteceu. Derrotado na própria sucessão na Guanabara, quando seu candidato, Flexa Ribeiro, foi batido por larga diferença de votos por Negrão de Lima, candidato da aliança PTB-PSD, Lacerda teve que se defrontar com as mudanças institucionais impostas pelo regime militar: fim dos partidos políticos, imposição do bipartidarismo e implantação de eleições indiretas para presidente da República e governador.

A frente ampla
Movimento político lançado em 28 de outubro de 1966 com o objetivo de lutar pela “restauração do regime democrático” no Brasil, a Frente Ampla tem como principal articulador Carlos Lacerda, e contou com a participação dos ex-presidentes (e inimigos) Juscelino Kubitschek e João Goulart.

Em setembro, a imprensa referia-se à formação de uma frente política — batizada de Frente Ampla — reunindo Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart, e seus correligionários. As negociações de Lacerda com Juscelino, cassado em junho de 1964 e exilado em Lisboa, encaminhadas pelo deputado do MDB Renato Archer, avançavam com relativa facilidade, mas com Goulart, desenvolvidas por intermédio do emedebista Armindo Doutel de Andrade, mostravam-se mais difíceis. Cassado pelos militares logo após o golpe, Goulart vivia em Montevidéu.

Os militares da linha dura ameaçaram retirar o apoio a Lacerda, caso ele continuasse os entendimentos com os dois inimigos da Revolução de 64. A Frente Ampla foi finalmente lançada em 28 de outubro de 1966, através de um manifesto dirigido ao povo brasileiro e publicado no jornal Tribuna da Imprensa. Assinado apenas por Carlos Lacerda, o documento defendia eleições livres e diretas, a reforma partidária e institucional, a retomada do desenvolvimento econômico e a adoção de uma política externa soberana. Apesar de não ter sido firmado por Goulart e Kubitschek, o manifesto confirmava as negociações entre eles e Lacerda.

Em 19 de novembro de 1966, Lacerda e Kubitschek emitiram a Declaração de Lisboa, na qual afirmavam terem superado as divergências e estarem dispostos a trabalhar juntos numa frente ampla de oposição ao regime militar. Formalizada a aliança Lacerda-Juscelino, impunha-se a obtenção de um compromisso de Goulart. Lacerda admitia que o movimento não ganharia amplitude sem a inclusão da componente popular representada pelos partidários do ex-presidente e pelos sindicatos.

Em maio de 1967, em discurso na Câmara dos Deputados, Renato Archer declarou que a Frente Ampla entraria em recesso por 90 dias, na expectativa de uma melhor definição do recém-instalado governo do marechal Costa e Silva. No período que se seguiu, diluíram-se os apoios da bancada do MDB. No final de agosto, reiterando o agravamento das relações da Frente com o governo, o ministro da Justiça, Gama e Silva, proibiu a presença de Lacerda na televisão. Foi nessa conjuntura de tensão que Archer foi designado secretário-geral da Frente Ampla.

Os contatos com Goulart, mantidos através do deputado Osvaldo Lima Filho e de José Gomes Talarico, evoluíam. No final de setembro, mais de dez meses depois da Declaração de Lisboa, Lacerda firmou em Montevidéu uma nota conjunta com Goulart, na qual a Frente Ampla era caracterizada como um “instrumento capaz de atender… ao anseio popular pela restauração das liberdades públicas e individuais”.

Depois da entrada de Goulart, e graças também à maior aceitação por parte dos parlamentares do MDB, deu-se início a mobilizações públicas, com comícios nas cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, em dezembro de 1967, e em Londrina e Maringá, no Paraná, no início de abril de 1968. Esses últimos eventos, reunindo mais de 15 mil pessoas, coincidiram com as manifestações estudantis realizadas em todo o país em repúdio à violência policial que, no Rio de Janeiro, causara a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto no final de março.

No dia 5 de abril, por intermédio da Portaria nº 117 do Ministério da Justiça, todas as atividades da Frente Ampla foram proibidas e Carlos Lacerda foi cassado pelo Regime Militar.

V. A morte e o reconhecimento
Morreu na madrugada 21 de maio de 1977, em uma clínica particular após ter contraído uma gripe comum. Em 20 de maio de 1987, através do decreto federal nº 94.353, teve restabelecidas, post mortem, as condecorações nacionais que foram retiradas e reincluído nas ordens do mérito das quais fora excluído em 1968.

Parte I
Parte II 

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O Demolidor de Presidentes (Parte II)

III. O Atentado da Rua Tonelero
Lacerda foi vítima de uma tentativa de assassinato na porta do prédio onde residia, em 5 de agosto de 1954, quando voltava de uma palestra no Colégio São José, no bairro da Tijuca. No atentado morreu o major da Aeronáutica Rubens Vaz, membro de um grupo de jovens oficiais que se dispuseram a acompanhá-lo e protegê-lo das ameaças que vinha sofrendo. Atingido de raspão em um dos pés, Lacerda foi socorrido e medicado em um hospital. Lá mesmo acusou os homens do Palácio do Catete como mandantes do crime.

A pressão midiática e a comoção pública com a morte do major Rubens Vaz obrigaram o governo a instaurar um Inquérito Policial Militar para investigar o atentado. Uma série de investigações levou à prisão dos autores do crime, que confessaram o envolvimento do chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, e do irmão do presidente, Benjamim Vargas. Com a conclusão do IPM, instaurado pelo Brigadeiro Nero Moura, o presidente do Inquérito, Coronel João Adil de Oliveira, informou em audiência com o presidente Vargas, que havia a existência de indícios sólidos sobre a participação de membros da Guarda no atentado. Dezenove dias depois, com o agravamento da crise política e o ultimato das Forças Armadas pela sua renúncia, Getúlio Vargas suicidou-se em 24 de agosto. O suicídio alvorotou a opinião pública e provocou uma imensa onda de revolta. Isso obrigou Lacerda e parte de seus aliados a deixar o país. Na época, milhares de revoltosos tomaram as ruas, empastelando jornais ligados à oposição.

IV. A tensão com JK e Jango e o Golpe de Lott
No entanto, pouco mais de um mês depois do suicídio, Lacerda derrotou um Vargas. Não Getúlio, é claro, mas Lutero, seu filho e presumido herdeiro político. Na eleição de 3 de outubro, foi o deputado federal mais votado no Distrito Federal com uma diferença de quase 40 mil votos sobre o segundo colocado, Lutero Vargas. Na Câmara dos Deputados tornou-se logo porta-voz da UDN contra a posse de Juscelino Kubitschek na presidência da República.

Lacerda participou de uma tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955, quando uniu-se aos militares e à direita udenista. Na época, era possível eleger um presidente sem a maioria dos votos, falha esta que a oposição pretendia remediar com uma emenda constitucional, que não foi aprovada. A fama de “demolidor de presidentes” se firmaria em novembro de 1955. Como escreveu em editorial da primeira página da Tribuna, no dia 9, “esses homens não podem tomar posse; não devem tomar posse; não tomarão posse”.

As manobras políticas começaram já no período eleitoral, quando ocorreu o episódio da Carta Brandi, uma notícia divulgada pelos opositores no jornal de Lacerda, denunciando o envolvimento de João Goulart em um contrabando de armas da Argentina para o Brasil.

Depois de eleito Juscelino, Carlos Luz, presidente interino à época, aliado aos militares e a Carlos Lacerda, tentaram depô-lo. A bordo do Cruzador Tamandaré fizeram a resistência, mas foram alvejados a tiros pela artilharia do exército a mando do General Teixeira Lott, que também tinha pretensões de se candidatar a presidência. Foi o último tiro de guerra disparado na Baía da Guanabara no Rio de Janeiro. Durante anos o episódio ficou conhecido como o Golpe de Lott.

Lacerda partiu para um exílio breve em Cuba, que ainda era governada por Fulgêncio Batista. Voltou em outubro de 1956 para reassumir sua cadeira de deputado, e continuar a oposição a Juscelino Kubitschek, atacando, entre outras coisas, a construção de Brasília. Reeleito em 1958, defendeu a autonomia do Rio de Janeiro e a criação do estado da Guanabara.

Juscelino não permitiu jamais o acesso de Carlos Lacerda à Televisão. Para se precaver contra sua volta à cena política, Juscelino anexou uma nova cláusula aos contratos de concessão de rádio e TV, mediante a qual os concessionário seriam punidos com suspensão por 30 dias no caso de transmitir programas “insultuosos às autoridades públicas”. Segundo confissões do próprio ex-presidente, a primeira  pessoa em quem pensava ao acordar era Carlos Lacerda. Juscelino confessou a Lacerda, no encontro de Lisboa, em 1966, que se deixasse Lacerda falar na televisão, Lacerda o teria derrubado do governo.

Parte I
Parte III

O Demolidor de Presidentes (Parte I)

Quando falamos em direita política, hoje, a primeira coisa que vem na nossa cabeça é oposição. Com tantos partidos de esquerda e centro-esquerda, a política acaba virando uma orgia incestuosa. Precisamos, urgentemente, de oposição. Uma oposição real, corajosa, sem rabo preso. Historicamente, há um homem na política brasileira que se destaca exatamente pela sua arte de fazer oposição. Este homem é Carlos Lacerda.

Carlos Frederico Werneck de Lacerda foi um jornalista e político brasileiro. Membro da União Democrática Nacional (UDN), foi vereador , deputado federal e governador do estado da Guanabara. Fundador e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e criador da editora Nova Fronteira. Ganhou a alcunha de “Demolidor de Presidentes” por causa do seu forte oposicionismo: alguns o acusam de ser responsável pelo suicídio de Getúlio Vargas, Jânio Quadros renunciou por causa de sua pressão e o próprio Juscelino Kubitschek admite que se lhe tivesse dado voz na televisão ele o teria derrubado também. Nesta série de artigos, vamos conhecer a trajetória do Demolidor de Presidentes.

I. Infância e juventude
Filho de Maurício de Lacerda e Olga Caminhoá Werneck. Pela família materna, era descendente direto do barão do Ribeirão. Nasceu no Rio de Janeiro, mas foi registrado como tendo nascido em Vassouras, cidade onde seu avô residia e seu pai exercia atividades políticas. Ingressou em 1929 no curso de Ciências Jurídicas e Sociais da então Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante seu período acadêmico, destacou-se como orador e participou ativamente do movimento estudantil no Centro Acadêmico Cândido de Oliveira. Devido ao grande envolvimento em atividades políticas, abandonou o curso em 1932.

A militância comunista e o antigetulismo
Tornou-se militante comunista, seguindo os passos de seu pai, Maurício de Lacerda, e do seu tio Paulo Lacerda, antigos militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Sua primeira ação contra o governo de Getúlio Vargas implantado com a revolução de 1930, deu-se em janeiro de 1931, quando planejou, junto com outros comunistas, incentivar marchas de desempregados no Rio de Janeiro e em Santos durante as quais ocorreriam ataques a lojas comerciais . A conspiração comunista foi descoberta e desbaratada pela polícia liderada por João Batista Luzardo, o que até virou notícia no jornal americano The New York Times. Em março de 1934, leu o manifesto de lançamento oficial da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em uma solenidade no Rio de Janeiro à qual compareceram milhares de pessoas.

Quando ocorreu o fracasso da Intentona Comunista de 1935, teve que se esconder na velha chácara da família em Comércio (atual Sebastião Lacerda, Vassouras) e ser protegido pela família influente.

II. Carlos Lacerda se endireita
A violenta repressão ao movimento comunista de novembro de 1935 o levou à clandestinidade até 1938, quando foi trabalhar na revista O Observador  Econômico e Financeiro. Um artigo seu, publicado na edição de janeiro de 1939, foi considerado prejudicial ao PCB e provocou sua “expulsão” do partido, do qual, aliás, nunca fora membro.  Rompeu com o movimento comunista em 1939 dizendo considerar que tal doutrina “levaria a uma ditadura, pior do que as outras, porque muito mais organizada, e, portanto, muito mais difícil de derrubar”.

Em plena ditadura do Estado Novo, obrigado a abandonar o círculo intelectual e político da esquerda, associou então, ao antigetulismo trazido da juventude,
um forte anticomunismo. A partir de então, como político e escritor, consagrou-se como um dos maiores porta-vozes das ideologias conservadora e direitista no país, e grande adversário de Getúlio Vargas, e dos movimentos políticos Trabalhista e Comunista. De sua lavra saíram contundentes artigos contra essa ideologia e o anticomunismo tornou-se uma verdadeira obsessão, resultando em ataques constantes aos países da então “cortina de ferro” e à ideologia de esquerda.

A ascenção como jornalista e a filiação à UDN
Lacerda ganhou notoriedade como jornalista ao publicar no Correio da Manhã, em 22 de fevereiro de 1945, a entrevista com José Américo de Almeida, em que este, rompendo o bloqueio da censura à imprensa, criticava o regime ditatorial de Vargas. No mesmo jornal, lançou a coluna “Na tribuna da imprensa”, destinada a cobrir os trabalhos da Assembléia Constituinte (1946).

Seria este o trampolim de onde daria seus primeiros  saltos rumo à política. Filiado à União Democrática Nacional (UDN), foi o candidato mais votado na eleição de 1947 para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. A experiência parlamentar durou apenas um ano, já que renunciou ao mandato por discordar da Lei Orgânica do DF, que dava aos senadores, e não aos vereadores, o poder de examinar os vetos do prefeito carioca, o qual, por sua vez, era indicado pelo presidente da República. Nesta mesma época, fez campanha a favor da autonomia do Distrito Federal, defendendo a eleição do prefeito, ao invés de sua nomeação pelo presidente da República.

A Tribuna da Imprensa
Em 27 de dezembro de 1949 fundou a Tribuna da Imprensa, jornal que defendia o ideário da UDN, fazendo oposição ferrenha ao getulismo. Deste jornal iria comandar uma campanha implacável contra Getúlio Vargas, eleito em 1950 para presidir o país. Um de seus principais alvos passou a ser a Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer, amigo dos tempos de esquerda, a quem acusava de ter obtido empréstimos favorecidos junto aos bancos oficiais para fundar um jornal governista. Foi a pedido de Wainer que o caricaturista Lan desenhou Lacerda como um corvo, símbolo de mau agouro e de morte.

Em 1953, Lacerda fundou, no Rio de Janeiro, o Clube da Lanterna, que publicava um periódico intitulado O Maquis, através do qual, juntamente com vários parlamentares udenistas, ele denunciava o que considerava as mazelas e a corrupção do governo Vargas.

Inimigo político de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda foi o grande coordenador da oposição à campanha de Getúlio à presidência em 1950, que continuou durante todo o mandato de Vargas, até agosto de 1954. Uniu-se aos partidos oposicionistas, principalmente a UDN, num esforço conjunto para depor o presidente Vargas, através de acusações que publicava em seu jornal, Tribuna da Imprensa.

Parte II
Parte III

Faz Falta

Último sábado completaram-se 15 anos da morte de um dos maiores jornalistas brasileiros: Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, ou simplesmente Paulo Francis.

Francis nasceu no Rio de Janeiro em 1930, e ganhou este pseudônimo em 1951 quando entrou para a escola de teatro de Carlos Magno, sob o pretexto de seu nome ser impronunciável no Brasil. Francis concordava, apesar de achar que seu novo pseudônimo parecia nome de bailarino de teatro revista.

Aos 27 anos já era crítico de Teatro do Diário Carioca, entrando assim no mundo jornalístico. Nesta época, era defensor fervoroso do brizolismo. Após o golpe de 64 foi um dos fundadores do semanário O Pasquim, que, segundo o próprio Francis, simplificou a linguagem do jornalismo brasileiro, além de trabalhar na Tribuna da Imprensa, onde difundia suas idéias trotskistas. Aliás, afirmava que o trotskismo era mais atraente do que o stalinismo, o marxismo e todas as outras ideologias de esquerda.

Com o cerco da ditadura militar, em 1971 Francis se exilou nos Estados Unidos, a partir daí começou a se afastar das idéias de esquerda e se tornou defensor ferrenho do capitalismo liberal. Francis percebeu que o monstro o qual criticava, funcionava de forma eficiente nos EUA. Suas visitas à URSS também contribuíram para sua mudança de postura, dizia só funcionar à base de polícia. Ao definir sua mudança ideológica, Francis proferiu uma de suas inúmeras frases de efeito:

Me transformei de criança a adulto.

A partir de 1980 se tornou comentarista das Organizações Globo, fruto de uma mudança de postura com relação ao então dono das organizações Roberto Marinho. No início Hélio Costa, então chefe de Francis, achou sem graça a forma como o jornalista fazia seus comentários, sendo assim Francis criou a projeção de voz pela qual se tornaria conhecido do grande público.

Em suas colunas nos grandes jornais, Francis sempre causava polêmica, seja criticando uma peça de teatro, seja criticando políticos e partidos. Aliás, críticas ao candidato Lula e ao PT foram a causa de sua briga com o então ombudsman da Folha de São Paulo, Caio Túlio Costa.  O eleitorado petista enviou inúmeras cartas criticando Francis, que sempre achou uma piada Lula ser candidato à presidência de um país tão complicado como o Brasil. Caio Túlio comprou a briga dos petistas. Depois de longas réplicas e tréplicas, Caio chamou Francis de cronista, que revidou o chamando de lagartixa pré-histórica. E nas palavras de um amigo de Francis, Diogo Mainardi, o resultado desta disputa:

A Folha preferiu o atraso, preferiu a lagartixa pré-histórica ao Francis.

Depois deste acontecimento, Paulo Francis se mudou para o Estado de São Paulo.

Um de seus maiores sucessos, foi sem dúvida, sua participação no programa Manhattan Connection do GNT, ao lado de Lucas Mendes, Nelson Motta e Caio Blinder, com quem Francis tinha discussões  acaloradas em praticamente todos os programas. E mesmo quando não tinha razão, incrivelmente vencia a discussão, tamanha a diferença intelectual entre os dois. E foi por lá que ele nos brindou com suas melhores frases, e que causaram enormes polêmicas. Dentre elas, sua oposição ferrenha aos Clinton e seu apoio a Colin Powell.

Aliás, foi no Manhattan que Francis teve um de seus maiores problemas. Em 1996, declarou que diretores da Petrobrás tinham contas na Suíça. Dias depois os diretores da estatal entraram com um processo contra ele em Nova Iorque, e o pior, o processo era pago pela Petrobrás, e não por seus diretores. Francis ficou abalado, preocupado. O então Senador José Serra tentou intervir junto ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que deu ordens para que Rennó, o então presidente da estatal, retirasse o processo. Não retirou.

Há quem diga que foi o processo que matou Francis, de concreto foi um ataque cardíaco no dia 4 de fevereiro de 1997. Os sintomas eram tratados até então como bursite pelo médico pessoal do jornalista. O Brasil havia perdido um grande cidadão.

Cidadão apreciador de ópera, era fã de Wagner,  gostava de beber. Dizia que bebia para tornar as pessoas mais atraentes e parou de beber, segundo ele mesmo, porque passava vergonha quando bebia. Defensor ferrenho da legalização das drogas, dizia que maconha era inócua, e que o sujeito só se vicia em drogas se já estiver procurando algo para se afundar. Achava que cinema era algo sem importância nenhuma, nenhum filme chegava aos pés de um livro de Dostoievski. Dizia ser da opinião de Churchill:

Nas reuniões, todos devem discutir 40 minutos e no final concordarem comigo

Francis faz falta, ainda mais em uma época que o politicamente incorreto é quase um crime, que o jornalismo de opinião está morto. Faz falta alguém que não pense pela cartilha marxista, faz falta alguém verdadeiro, faz falta Paulo Francis.