Homossexualidade e Política

O político e teórico fundador do conservadorismo inglês, Edmund Burke, ficou conhecido em sua época por vários fatores. O mais importante deles foi a sua crítica à Revolução Francesa e apoio à monarquia (o que lhe rendeu uma discussão com Thomas Paine). Outro deles é a sua lei dos salários que determinava que os altos escalões do serviço público só deveriam receber depois de pagos os salários dos escalões inferiores, uma vez que o pagamento destes salários era parte do seu trabalho e seria injusto que os altos escalões recebessem sem concluí-lo. Mas um outro ponto em particular causou certo escândalo: Burke era contra a pena de morte por suplício no pelourinho, então vigente. E mais, era contra a aplicação desta pena a dois grupos perseguidos na Inglaterra do seu tempo: os católicos e os “sodomitas” (homossexuais). Isso mesmo, o pai do conservadorismo inglês defendia os homossexuais da tirania do governo. Especula-se sobre qual seria o posicionamento de Burke em questões referentes aos homossexuais na política contemporânea.

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A condição do homossexual
A homossexualidade nos custou muito tempo para ser compreendida. Até poucas décadas atrás, ela ainda era tratada como uma disfunção sexual e psicológica a ser curada com tratamentos hormonais. Sabemos, hoje, que nenhum tratamento hormonal na fase adulta irá mudar um desequilíbrio hormonal inculcado já na fase embrionária, caso dos transsexuais. Discute-se muito ainda se a homossexualidade é determinada geneticamente ou socialmente construída. Eu sinceramente acredito mais na primeira hipótese.

A irrelevância da “cura gay”
Um tópico sensível que foi debatido no Brasil foi o projeto de lei, proposto por um político evangélico, que pretendia liberar psicólogos para “curar” pessoas da homossexualidade. O projeto não foi visto com bons olhos e logo foi rechaçado, mas nada se pensou seriamente sobre ele. Independente da homossexualidade ter “cura” ou não, a busca por tratamento da mesma diz respeito aos interessados e não ao poder público: não havendo caráter compulsório para qualquer tratamento médico, não há problema algum em permitir que interessados na “cura” busquem por ela. Há quem busque afrodisíacos e tratamento cromoterápico e nem por isso ficamos escandalizados.

Homossexualidade e sua relação com o poder público
Mas vamos ao que interessa, que é a política. A primeira coisa na qual os homossexuais sempre estiveram interessados no âmbito político é a anulação ou revogação de leis que criminalizam ou punem sua orientação sexual e a sua expressão em espaços públicos (ex.: o direito de beijar em público). Neste ponto creio que não há muita discordância sobre o fato de que a sexualidade, sendo um âmbito íntimo e privado da vida do indivíduo adulto, não pode ser matéria de lei e muito menos de punição e repressão. Quanto às demonstrações públicas de afeto, já parece comum o entendimento da sua licitude, respeitados os limites impostos pelo pudor e que valem para qualquer casal, hétero ou homo.

O casamento gay
O segundo ponto é o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, onde há mais discordância. Os opositores creem que a legalização do casamento homossexual comprometeria a instituição familiar. Eu não vejo como, já que o simples casamento não constitui uma família: um casal é composto por indivíduos sem relação de parentesco, e uma família é definida pela relação generacional entre seus membros (pai e filho, avô e neto, sobrinho e tio). Tampouco há o risco de aumento da população homossexual, uma vez que estes não geram filhos ou preferem adotar a recorrer a procedimentos caros de fertilização in vitro e barriga de aluguel. É razoável a legalização da união civil, especialmente para questões de partilha de bens e herança. Quanto ao casamento religioso, cabe a cada instituição decidir ou não sobre o assunto.

Políticas afirmativas
O terceiro e mais polêmico ponto é o das açõee afirmativas, que é onde há maior discordância e oposição mesmo entre os homossexuais. A maior parte da militância e lobby em prol dos direitos da população LGBT não é simplesmente homo (ou bi, ou trans, etc), é parte de uma subcultura chamada queer ou gay. O próprio termo gay é parte do vocabulário desta subcultura. A Parada Gay, em qualquer lugar do mundo, é o exemplo mais expressivo desta subcultura. O problema é que, obviamente, esta subcultura não representa todos os homos como os motoqueiros e punks não poderiam representar todos os héteros. Homossexuais mais conservadores tendem a rejeitar a subcultura queer ou gay e por isso são hostilizados pela “militância gay” que supostamente deveria defendê-los. Um exemplo clássico foi Clodovil Hernandez, estilista brasileiro e homossexual abertamente contra a Parada Gay.
O financiamento público de uma subcultura, qualquer que seja, é antiético e isso independe se a crítica vem de um homossexual ou de um pastor evangélico. Políticas de ação afirmativa, como cotas, também tendem a ser rechaçadas mesmo por homossexuais.

Conclusão
Podemos distinguir portanto três âmbitos a analisar: o privado, o público e o político. No âmbito privado, não há o que discutir: a liberdade de ir para a cama com quem você ama deve estar fora do alcance dos políticos. A união civil entra neste primeiro âmbito. No âmbito público, onde a pressão social exerce seu poder, deve-se primar pelo bom senso: a expressão pública de afeto é sempre lícita enquanto não atente contra o pudor. No âmbito político, no entanto, a atuação de grupos de interesse é sempre errada quando suas propostas excluem os demais ou demandam para um grupo particular recursos que são públicos: políticas de numerus clausus (cotas afirmativas ou negativas) são exclusivas, e o financiamento público de eventos privados (seja a Parada Gay, a Copa do Mundo ou a Marcha Mundial da Juventude) é imoral por forçar milhões de pessoas a financiar coisas que vão contra seus interesses, princípios e valores.

No fim das contas, a discussão nunca é sobre a sexualidade alheia, mas sobre até onde vai o poder público. E certamente a sua cama é um lugar ao qual os políticos não devem ter acesso.

Autor: Renan Felipe dos Santos

Autor e tradutor.

3 comentários em “Homossexualidade e Política”

  1. Muito bom. Não devem ser burocratas que dirão o que pode-se ou não fazer. Até porque assinar um papel dizendo que algo é proibido nunca fez nada desaparecer, só tornou pessoas antes inocentes em criminosos que passariam a ser bancados pelo dinheiro do povo.
    Quanto ao casamento civil acho uma aberração, coisa que não compete ao estado. Havendo estado e burocracia estatal então o máximo que deveria ter é o reconhecimento de qualquer associação conforme contrato e estatuto decidido por todas as partes. Assim um casamento não deveria ser diferente de abrir uma empresa ou formar um clube. Se os membros quisessem incluir mais uma ou duas pessoas e fazer um harém ou uma suruba onde cada um teria um dever e uma parte parte acordada por todos, que façam.
    Já quanto a ser genético há vários casos de gêmeos univitelinos onde um é hétero e o outro homo. Assim como há casos de pessoas que era hétero e depois se tornaram homossexuais e casos do reciproco.

  2. Gostaria de pontuar o seguinte:

    1 – Burke, de fato, se opunha à punição capital de católicos e de homossexuais, sem que isso signifique, “”per se”, (ou, mesmo, insinue) uma posição favorável ao catolicismo ou ao homossexualismo. Nesse sentido, também vou pela mesma linha e me oponho a qualquer execução de homossexual simplesmente por ser homossexual, como também ocorreu na Alemanha nazista e ainda ocorre em países islâmicos;

    2 – Concordo plenamente quanto à irrelevância da “cura” gay. Discordo, a priori, de quem diz não ser possível, mas isso nem vem ao caso. Importa, isto sim, é o direito de quem se interessar por um “tratamento” ou, apenas, aconselhamento com um psicólogo, poder recorrer a esse serviço;

    3 – Sobre a questão do “casamento” gay, eu a vejo como ante-sala para a reinvidicação de duplas homossexuais adorarem crianças e aí, sim, podem-se discutir eventualmente possíveis consequências dessas relações e, então, concluir-se (ou não) por uma ameaça à instituição familiar. Por outro lado, devo ser honesto em admitir que por esta entendo somente a família nuclear tradicional.

    Enfim, ótimo texto, instigando a reflexão sem excessos passionais que se veem por aí. O mais importante, sem dúvida, é poder discutir esses assuntos sem ter de aturar a profusão de xingamentos e palavras de ordem bem típicos de outros vários sítios da internet.

  3. Renan, um adendo: salvo engano, também o Agnaldo Timóteo vai na contramão do movimento lgbt. Já o vi, também, criticando umas ongs ditas defensoras de direitos dos negros. Tanto no caso dos homossexuais como no dos negros (e, talvez, de outras minorias) há vozes discordantes que não se sentem representadas pelos movimentos organizados.

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