A Democracia Como Ideologia

POR SÉRGIO A. DE A. COUTINHO

John Locke – um dos “pais” do liberalismo político e, consequentemente, da democracia moderna.

Ao se dizer democrata, portanto anti-marxista, imediatamente você é estigmatizado “de direita”, retrógrado e, na melhor das hipóteses, conservador. Mas, o que fica mesmo insinuado é que você é totalitário, reacionário, neo-liberal e servidor do capitalismo internacional.

Tudo acontece pela aplicação estereotipada de um modelo topológico linear em que, se você não é de esquerda, por exclusão, só pode ser de direita. É uma fórmula eficaz do patrulhamento ideológico. Assim, alguns democratas, inibidos ou intimidados, não manifestam abertamente sua posição política e se calam, quando não fazem algumas concessões ao socialismo. Outros se colocam “no muro” e aceitam uma identificação de “centro” ou, complacentes, de “centro-esquerda”, como se fosse possível uma síntese dialética da esquerda com a direita. Finalmente outros radicalizam a sua posição e assumem, aberta ou discretamente , que são de direita, aceitando o modelo ideológico maniqueísta.

Em qualquer uma das atitudes, as esquerdas saem ganhando porque o protagonismo dos democratas está definitivamente neutralizado e o país marcha, sem oposição para o socialismo com a tácita e “democrática”concordância de todos. Para romper esta inação induzida, é preciso, antes de tudo, definir a Democracia como entendida na tradição ocidental cristã e tirá-la do contexto linear das posições de esquerda e direita.

A verdadeira democracia (governo do povo) pode ser denominada LIBERAL DEMOCRACIA REPRESENTATIVA para não ser confundida com outras “democracias”, enganosas e adjetivadas para esconder uma concepção revolucionária: Liberal Democracia, para não se confundir com social-democracia ou “socialismo democrático”; Democracia Representativa, para não se identificar com “democracia popular”, “democracia de classe” e “democracia direta”.

Nas concepções marxistas em que, na luta de classes, a classe média é “não-povo”[1], todas são eufemismos para ditadura do proletariado ou “democracia radical”, expressão referida por Roberto Freire, presidente do Partido Popular Socialista (Ex-Partido Comunista). O uso manipulado da palavra democracia pode muito bem ser ilustrada na denominação da antiga Alemanha Oriental comunista: República Democrática da Alemanha.

Feita a distinção elementar da Liberal Democracia Representativa (LDR), deve-se reconhecer que ela é o oposto de qualquer concepção ideológica seja de direita, seja de esquerda. Muito menos ela é o meio-termo de uma e outra; nem pensar que possa ser a síntese dialética, uma espécie de “Terceira Via” proposta pelos socialistas fabianos ingleses.

Portanto a LDR, numa visão relativa, ocupa uma posição extrema e absoluta de oposição simultânea às concepções ditas de “direita”e de “esquerda”. Colocando tudo em um modelo geométrico, podemos dizer que a Democracia, a esquerda internacionalista marxista e a direita nacionalista totalitária ocupam os vértices de um triângulo eqüilátero. Cada concepção em lugar próprio, inconfundível e irreconciliável ideologicamente.

Os cidadãos democratas e os partidos democráticos, ditos vulgarmente “de centro”, devem romper todas as relações de compromisso ou de conveniência e perceber logo de inicio que suas concepções políticas não estão eqüidistantes dos extremos totalitários, mas colocadas noutro vértice tópico “extra centro”, posição ideológica distinta e fundada na precedência do homem, nas prerrogativas humanas originais de liberdade, dignidade e individualidade e na soberania popular.

A Liberal-Democracia é uma concepção singular e inconfundível, sem qualquer relação afim com a esquerda e direita, vale dizer, com socialismo científico ou reformista e com nacional-socialismo totalitário, com as suas mais sedutoras roupagens. Este entendimento deve ser um referencial para o cidadão democrata.

Sérgio Augusto de Avellar Coutinho foi um general militar, escritor e palestrante. Estudioso do pensamento gramscista, é autor dos livros “Cadernos da Liberdade” e “A Revolução Gramscista do Ocidente”.

Nota:
[1] Cadernos do Cárcere, A. Gramsci – Vol. IV, p. 87 e 88

5 comentários em “A Democracia Como Ideologia”

  1. Gostaria de registrar meu desacordo com relação à afirmação ser nacionalistas totalitários de “direita”. São TOTALMENTE esquerdistas e socialistas! Em sua essência mesmo, oriundos que são da Revolução Francesa.

    Aliás, arriscaria dizer até mesmo que é impossível ser socialista sem desejar caminhar para um Estado condutor da vida alheia, dizendo o que pode e não pode, o que é certo e errado (em tudo, desde alimentação até formação intelectual, principalmente liberdades que possam ameaçar o establishment).

    Hoje há estadistas de maior e menor grau e libertarianistas. E uma imensa maioria que jamais pensou na possibilidade de não servir ao Estado…

    1. Matheus

      Embora eu concorde contigo que o nacionalismo é fruto da Revolução Francesa, há de se fazer algumas distinções sobre o texto que podem esclarecer melhor a ideia do autor.
      Historicamente, a “direita” sempre foi vista como a posição “ao lado do governo”, enquanto que a esquerda, a oposição. Era a direita contra-revolucionária que estava ao lado do governo na França absolutista, de onde nasceu tais termos. Porém a defesa pela permanência da Antiga Ordem na França não era defendida por liberais. Em contexto da época, os liberais clássicos eram a oposição ao absolutismo.
      Indo mais atrás, na Inglaterra, os liberais whigs eram também a oposição contra os tories, defensores da Antiga Ordem e do governo constituído.

      O que nos leva a crer é que a direita clássica, é a favor da manutenção de elites, muitas vezes de caráter reacionária, anti-liberal, a favor de conchavos entre vários setores, intervencionismos, protecionismos e tudo mais. Diferente daqueles que defendem o liberalismo, pois se situam como a oposição. Exceto pelo caráter autoritário costumeiro do nacionalismo, ele pode conter muita coisa da direita clássica. Seriam então o liberalismo uma espécie de esquerda? De certo modo sim e até o filósofo libertário Murray Rothbard confirma isso.
      Com o passar do tempo os governos foram adotando medidas liberais e tudo piorou quando o socialismo surgiu. Então os socialistas tacharam todos aqueles que eram seus rivais de “direitistas”, não importando suas diferenças gritantes. Gritarias típicas de esquerdistas, sem qualquer sem qualquer base intelectual honesta.

      Particularmente eu não uso a palavra “direita” para designar o liberalismo clássico ou qualquer escola política da filosofia libertária. Na verdade eu até desaprovo tal coisa simplesmente por não ser verdadeiro. E isso é mais ou menos o que tenta mostrar o autor. Quando ele menciona o tal “triângulo”, o liberalismo em forma política e, por consequência, democrática está no topo do triângulo. Já o socialismo e o nacionalismo, ambos autoritários, estão na base desse triângulo mas em posições diferentes. Essa base seria o peso do estado em se fazer presente, enquanto o topo, a liberdade.
      Embora essa ilustração não seja perfeita, ela casa como um esboço ao “Diagrama de Nolan”. Onde a esquerda e a direita não autoritária possuem sua base intervencionista na horizontal e tendo como opostos o libertarianismo e o autoritarismo no vertical.

      Em suma, esquerda e direita são vertentes que não deveriam ser levados ao pé da letra por não conter definições exatas. Particularmente eu prefiro os termos ditos em exatidão para não conter estranhamento, distorções e coisas do tipo.

      Até mais.

  2. Direita e esquerda não passam de peneiras com formatos diferentes, mas quem faz o chá é outra galera… não passa tudo de pura ideologia, no sentido marxista e frankfurtiano da palavra…

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