Rousseau e o fim do capitalismo

Artigo original de José Guillermo Godoy, publicado em espanhol no seu site: www.joseguillermogodoy.com. Traduzido e adaptado para o português do Brasil por Renan Felipe dos SantosPara ler o artigo original, em espanhol, clique aqui.

Assim que acabou a Segunda Guerra Mundial, salvo insignificantes grupos anacrônicos, ninguém mais queria ser de direita, parecia que a direita havia desaparecido do espectro político.

A partir dos 80, se produziu a tendência inversa, desde então se falou da obsolescência da esquerda, da morte do socialismo, do fim das revoluções, das utopias das ideologias, e alguns foram mais além e proclamaram o fim da história. Quase 15 anos depois parece ressurgir o processo inverso.

Os conceitos políticos, que em si não são entidades metafísicas definitivas e eternas e se modificam de acordo com a época e as circunstâncias, também recebem adeptos de grupos que influenciam determinando a opinião pública, de acordo com estas mesmas circunstâncias. Isto é conhecido como “espírito do tempo”, do qual são protagonistas principais os orgulhosos, e sempre na moda, intelectuais franceses.

O danadinho Rousseau, trollando o establishment acadêmico desde  1750.

Rousseau, igual aos intelectuais franceses do século XX – que, no dizer de Sebreli, durante longos anos e contra toda as evidências confundiram Stalin com Marx e ao sentido da história com o destino do estalinismo e que, em lugar de responsabilizar-se pelo erro cometido, lhes resultou menos prejudicial ao narcisismo considerar que não eram eles mas a própria história que havia se equivocado, ou melhor ainda, que não havia sentido algum na história, ou, por fim, que não havia história nenhuma – foi um autor com grades dotes intelectuais e originalidade, cujo desejo por fama, mais que suas convicções plasmadas em escrito, marcaram uma época.

Assim como cada época elege outra no passado para fazer dela uma fonte de modelos, os novos prognosticadores do fim do capitalismo podem ser originais em tudo, menos no quesito de prognosticadores e no conteúdo de seu prognóstico.

Assim as grandes vedetes da esquerda – artistas, escritores, jornalistas, professores, cientistas – que foram usados e se aproveitaram também do sistema estalinista e que subsistiram durante a chamada década “neo-liberal” disfarçadas na roupagem de seus adversários, a esquerda democrática, e aferradas ao último bastião que é Cuba, esse museuzinho folclórico onde se exibem os restos arqueológicos de uma civilização desaparecida, voltaram para ficar.

Assim o porta-voz do Partido Trabalhista Britânico (Labour Party) disse que “A atual desordem financeira é uma crise do capitalismo”. “Um sistema financeiro não regulado é um desastre”, adiciona Sheila Rowbotham, professora de história da Universidade de Manchester. Um candidato esquerdista à prefeitura de Londres adicionou: “o Capitalismo teve sua oportunidade e falhou; agora é a vez do socialismo”. A isto se soma o amigo Ahmadinejad: “É o fim do capitalismo”.

No Irã o capitalismo está acabando. Aproveite a liquidação!

Ziegler, o autor de Os Novos Senhores do Mundo, comparou a crise internacional com a queda do muro de Berlim. Santiago Niño Becerra e Lucinio González, catedráticos da Faculdade de Economia do Instituto Químico de Sarriá (IQS), prognosticam o fim do capitalismo com alguns dados estatísticos, e assim a totalidade de intelectuais e políticos progressistas, pseudoprogressistas, castristas, pós-modernistas, setentistas, chavistas, pós-estruturalistas.

Há que desconfiar da originalidade absoluta. Ninguém pensa no vazio: todo pensamento é expressão de seu tempo e nenhum homem pode jamais escapar totalmente de sua época. As idéias contra a corrente formam por sua vez parte de outras correntes, só que estas permanecem subterrâneas, ocultas ou dispersas, mas estão destinadas a aparecer, a fazer-se notar no momento em que a situação mature.

O núcleo da discussão encontra-se na vigência sem medidas do mercado. A causa da crise, segundo se afirma, é o egoísmo humano, a ganância desenfreada. Por isto temos que regular o mercado, limitar a livre ação humana. No fundo desta postura subjaz a tese que sustenta que o homem é mau, e por isto temos que controlá-lo, regular sua ação. Os ideólogos da nova ordem se dedicam a advertir sobre o perigo que representam as pessoas atuando por si e para si e como é bom que tudo esteja controlado e coordenado por mentes brilhantes.

A melhor defesa da liberdade deveria ser o apoio de Rousseau, este velho autor francês tão mal visto pela má direita, em grande parte culpável pela crise, e especialmente pelos liberais de ar condicionado, em seus dois ramos, o marketeiro/austríaco e o correligionário, que em sua maioria, como diz José Benegas, está estudando os alcances do direito de propriedade na distribuição de pipoca nos cinemas de bairro.

Tanto a má direita como os liberais de ar condicionado, antes de criticar Rousseau, deveriam reler seus textos, ou em todo caso começar a lê-los, pois este autor não só deu um grande suporte às idéias de liberdade como na situação atual parte de sua tese pode ser a melhor defesa do capitalismo.

O problema parte da própria complexidade do pensamento de Rousseau. Sempre há um Rousseau para refutar a outro Rousseau, ou pelo menos assim parece. A incoerência deste escritor, no dizer de Richard Pipes, que à primeira vista é evidente, se explica, a meu entender, com um pouco de história marcada na própria personalidade do autor e, por que não?, na natureza de grande parte da intelectualidade francesa, sempre disposta a ser original para melhor vender.

A discussão surge da leitura de dois trabalhos que Rousseau realizou motivado pelo concurso convocado pela academia de Dijon, em 1750. Apesar do que comenta em suas Confissões, que se inteirou do convite da academia por um jornal abandonado que encontrou em uma de suas frequentes caminhadas pelos arredores de Paris, o certo é que Rousseau, num começo, travou amizade com os iluministas, e foi convidado a contribuir com artigos de música à Enciclopédia de D’Alembert e Diderot; este último o impulsionou a apresentar-se em 1750 ao concurso convocado pela Academia de Dijon.

De acordo com as pautas do concurso, os temas a tratar eram a modernidade – iluminismo, e a propriedade. Então Rousseau consultou a Diderot sobre qual deveria ser sua postura para ser levado em conta no concurso. Diderot responderá que todos os trabalhos que se apresentem dirão que a modernidade e a propriedade são pedras fundamentais do progresso e contribuiem à felicidade da humanidade. De maneira que o original seria apresentar a postura contrária, e assim se fez. Seu primeiro discurso Sobre as Ciências e as Artes (1750), em aberto contraste com as idéias sobre o progresso dominantes no Iluminismo francês, se converte no Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da desigualdade dos Homens (1754) em uma crítica das estruturas sociais e políticas através de um exame mais próximo às conjecturas antropológicas que ao rigor histórico do estado primogênito do homem natural e das causas que criaram a sociedade e a desigualdade.

Ambos os discursos foram premiados pela academia, e deram notória popularidade a Rousseau precisamente porque defendiam uma tese contrária às idéias da época. Era original e muito conveniente aos franceses. Esta foi a intenção de Rousseau, ao defender uma tese que nem ele acreditava.

A postura pró-iluminismo e propriedade aparece evidenciada não só no seu Discurso sobre Economia Política, mas em numerosos artigos posteriores publicados na enciclopédia. Este, creio eu, é o verdadeiro pensamento de Rousseau, e não o conteúdo dos dois discursos onde defende uma tese para ganhar um concurso.

Mas paradoxalmente, e ainda que soe contraditório, nos próprios trabalhos apresentados à academia de Dijon, Rousseau esboça uma tese que é fundamental para a formação do pensamento liberal: “o homem é naturalmente bom”. O liberalismo não estaria disposto a outorgar ao indivíduo o máximo de liberdade se este fosse naturalmente malvado.

Na atualidade, a postura contrária afirma que a crise foi causada por dar maior liberdade ao homem. Para esta postura, o homem é evidentemente mau. Isto pode ser contrariado, demonstrando que a idéia de que a crise é causada pela maior liberdade de ação do homem é, no mínimo, duvidosa. Ainda que isto seja um tanto complicado já que no nosso século, e desde tempos atrás, ao que parece os inimigos do liberalismo descobriram que a melhor maneira de atacá-lo era usando seu nome. Apesar disto o Liberalismo não morreu, porque expressa anseios perenes de justiça e liberdade. Por que muitos dos problemas que planteará de suas origens não foram resolvidos e dificilmente o sejam nos limites do estatismo. Por que é uma ética, uma teoria hipotética e esta é útil para que os homens não se afundem em desconcerto, trivialidade e indiferença. O fracasso de uma teoria na prática, nem sempre se converte, como o pretende Leszek Rolakowski, em um argumento contra suas próprias premissas, e menos ainda contra princípios que durante longo tempo tiveram tanto êxito. Do mesmo modo que uma idéia falsa como o nazismo pôde ter um êxito momentâneo, o fracasso aparente do liberalismo pode ser provisório. Às teorias e aos princípios, como nos romances policiais de Raymond Chandler, jamais se deve dizer adeus.

É imoral e anti-humano ser contra o lucro e a livre iniciativa

Por Thomas Woods. Artigo original postado no Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Pessoas auto-intituladas piedosas e caritativas rotineiramente dizem que o livre mercado e a busca pelo lucro não são atitudes que estão em conformidade com princípios morais.  Tais pessoas creem estar genuinamente defendendo os mais puros princípios humanitários ao defenderem alguma alternativa ao livre mercado, como por exemplo a terceira via ou mesmo o “distributivismo”, doutrina segundo a qual o melhor sistema social é aquele em que a propriedade produtiva está amplamente dispersa pela sociedade em vez de concentrada nas mãos de alguns poucos.  Apenas para deixar claro, tais pessoas não defendem o socialismo per se, que envolve a estatização dos meios de produção, mas sim a ampla distribuição destes entre o máximo possível de indivíduos.

Em 1871, Carl Menger escreveu Princípios de Economia Política, uma obra de profunda genialidade que essencialmente inaugurou a Escola Austríaca de economia, mas que praticamente nenhuma das pessoas que se arvoram a pontificar sobre a “questão social” leu ou sequer conhece.  Todos aqueles que escrevem sobre distributivismo, ou que simplesmente fazem apelos emocionais em prol da “necessidade” da redistribuição, parecem compartilhar da mesma ignorância, jamais se apoiando em argumentos solidamente econômicos para justificar sua posição — como se uma disciplina que se dedica à aplicação da razão humana para a solução do problema da escassez no mundo pudesse ser em si mesma antagonista aos bons princípios morais e aos mais belos ideais.

Mesmo se fizermos uma concessão a uma das principais premissas distributivistas — que diz que as micro e pequenas empresas são constantemente engolidas e destruídas pelas grandes empresas —, a conclusão a que eles sempre chegam, isto é, a de que é preferível para um indivíduo operar seu próprio negócio a ser empregado de outro, não é nada óbvia.  É perfeitamente possível um indivíduo estar em melhor situação na condição de empregado, pois assim — para utilizar o argumento moral — ele poderá dar mais atenção à sua família, tendo mais tempo de lazer para usufruir junto a ela, algo que não aconteceria caso ele tivesse de se manter atento a todas as responsabilidades e cuidados inerentes à gerência do próprio negócio.  Da mesma forma, caso a empresa para a qual ele trabalha vá à falência, ele próprio não estará falido.  Estamos, portanto, lidando aqui com uma questão de circunstâncias individuais e não de generalizações grosseiras.

Suponha, ademais, que o “distributivismo” estivesse em vigor durante a Revolução Industrial na Grã-Bretanha no final do século XVIII.  Certamente, teríamos ouvido infindáveis lamúrias a respeito da crescente concentração de poder econômico e o dramático crescimento no número de pessoas trabalhando em troca de salários.  Mas o que provavelmente não teríamos ouvido seriam declarações sobre as reais condições daquelas pessoas que estavam procurando emprego nas fábricas.  Elas não foram afortunadas o bastante para conseguir uma vida rentável na agricultura, e também não haviam sido agraciadas por suas famílias com as ferramentas necessárias para empreender algum ofício independente e operar algum pequeno estabelecimento, algo que encantas os distributivistas.  Se elas, portanto, não tivessem tido a oportunidade de trabalhar em troca de salários, suas famílias simplesmente iriam morrer de fome.  É realmente simples assim.  O capitalismo, e não o distributivismo, foi o que literalmente salvou essas pessoas da mais completa penúria, e tornou possível o enorme crescimento da população, da expectativa de vida, da saúde, e do padrão de vida geral — crescimento esse que foi o maior que a Inglaterra já havia vivenciado até a época e que mais tarde se difundiu por toda a Europa ocidental.

Em um livro corrigindo o viés esquerdista dos velhos livros de história sobre a Revolução Industrial, o Prêmio Nobel F.A. Hayek reforçou esse ponto.  “O proletariado que o capitalismo ‘criou'”, escreveu ele, “não representava uma fatia de pessoas que teria existido sem ele e que foram degradadas justamente pelo capitalismo a um nível mais baixo; tal proletariado representava, na realidade, uma população adicional que só pôde crescer em decorrência das novas oportunidades de emprego criadas pelo capitalismo.”

Ludwig von Mises elabora ainda mais esse mesmo ponto:

É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos.  Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos.  Essas crianças estavam carentes e famintas.  Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.

É deplorável que tal situação existisse.  Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la.  O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os “bons velhos tempos”.

Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial.  A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.

A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente.  Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.

O distributivismo, dentro deste contexto, teria simplesmente privado milhares de pessoas destas oportunidades, gerando resultados cruéis para o mesmo proletariado que tal doutrina alega defender.

Também constantemente sob ataque dos distributivistas está a sempre difamada “busca pelo lucro”.  O argumento emocional é o de que tal prática, além de não ter nada de meritória, é totalmente imoral.  No entanto, é certo que nem mesmo um distributivista negaria — dado que seria incoerência — ser moralmente lícito um indivíduo querer melhorar sua situação, tanto para si próprio quanto para sua família.  Ademais, mesmo a caridade para os mais pobres irá requerer o auxílio de pessoas ricas, e esta riqueza terá de ser adquirida de alguma forma.  Porém, sem a “busca pelo lucro”, simplesmente não há como saber ao certo se este moralmente legítimo desejo do indivíduo de melhorar sua situação e a de sua família está sendo buscado de maneira a beneficiar a sociedade como um todo, e não apenas ele.

Ao longo dos anos, tem havido um enorme esforço concertado para fazer troça da “mão invisível” de Adam Smith, a imagem pela qual Smith procurou descrever o salutar processo por meio do qual o desejo de cada indivíduo de melhorar sua condição acaba também beneficiando aqueles à sua volta; e alguns moralistas argumentam que o fato de o padeiro fazer o seu pão não por benevolência, mas sim por estar em busca do lucro, é algo que merece apenas condenação do ponto de vista moral.

No entanto, há apenas duas opções em jogo: ou o indivíduo busca seus objetivos sem qualquer consideraçãopelas necessidades e desejos de seus conterrâneos, ou ele age levando em consideração estas necessidades.  Não há uma terceira opção.  Ao buscar “maximizar os lucros”, motivação esta rotineiramente tratada como sendo um terrível flagelo sobre a civilização, o indivíduo está apenas garantindo que seus talentos e recursos sejam dirigidos para aquelas áreas que seus conterrâneos, por meio do sistema de preços, indicaram ser a mais urgentemente demandada e necessitada.  Em outras palavras, o sistema de preços, e o sistema de lucros e prejuízos cujo cálculo o sistema de preços possibilita, obriga o indivíduo a planejar suas atividades em conformidade com as necessidades expressadas pela sociedade.  Tal atitude implica necessariamente uma administração sensata e racional das coisas físicas existentes no planeta.

É assim que uma sociedade racional e civilizada garante que seus recursos serão alocados e distribuídos não de acordo com algum esquema arbitrário, mas sim de acordo com as necessidades e desejos das pessoas.  A busca pelo lucro, possibilitada pelo sistema de preços, portanto, permite não apenas a cooperação social, mas também o uso mais eficiente possível dos recursos escassos.  Sem a busca pelo lucro, como demonstrou Mises em seu clássico ensaio sobre a impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, a civilização literalmente irá retroceder à barbárie.

Além do mais, nenhum moralista discordaria que uma vida de total comodismo e permissividade é moralmente inferior a uma vida em que a riqueza do indivíduo é colocada a serviço de investimentos produtivos e duradouros.  Mas até mesmo levantar esta questão é retirar a atenção do problema real.  Já deveria ser óbvio que reconhecer a “busca pelo lucro” não significa dizer que as pessoas deveriam pensar apenas em dinheiro, ou que o dinheiro é mais importante do que Deus, ou qualquer outra tolice.  Como explicou Mises,

A imensa maioria da humanidade se esforça para ter uma maior e melhor abundância de comida, roupas, casas e outros bens materiais.  Ao considerarem como melhoria e progresso uma elevação no nível de vida das massas, os economistas não estão aderindo a um materialismo mesquinho.  Estão simplesmente reconhecendo o fato de que as pessoas são motivadas pelo desejo de melhorar as condições materiais de sua existência.  Julgam as políticas do ponto de vista dos objetivos que os homens querem atingir.  Quem desdenha a queda na taxa de mortalidade infantil e o gradual desaparecimento da fome e das epidemias, que atire a primeira pedra no materialismo dos economistas (ênfase minha).

A questão é que, uma vez que sabemos que o indivíduo possui razões perfeitamente válidas para buscar o mais alto retorno para seu investimento, ou para obter o mais alto salário possível, em vez de perdermos nosso tempo com lamentos tolos e irrelevantes a respeito das pessoas gananciosas deste mundo — uma questão de filosofia moral e não de economia —, devemos empregar a razão humana para aprendermos como este desejo perfeitamente moral de querer obter ganhos resulta em benefícios para a sociedade como um todo, pois gera a produção daquilo que sociedade urgentemente demanda em vez de mais daquilo que a sociedade já desfruta em abundância.  Posto desta forma, o sistema de lucros e prejuízos de uma economia baseada na divisão do trabalho — uma instituição indispensável para qualquer sociedade civilizada — repentinamente se revela não apenas profundamente moral, como também algo essencial, sendo provavelmente por este motivo que os oponentes do capitalismo nunca se referem aos lucros desta forma.

Se quisermos que a força motriz que proporcionou o enorme avanço no padrão de vida que todas as pessoas do mundo desfrutaram ao longo dos últimos dois séculos não seja destruída, é essencial que entendamos o mecanismo que torna possível a sua existência.  Tal apreciação por estes indispensáveis aspectos da liberdade econômica está completamente ausente da mentalidade dos defensores do distributivismo — os quais, em sua ânsia para caricaturar o mercado como sendo um local de incessante “exploração” e ganância, consistentemente ignoram ou menosprezam suas conquistas e virtudes.

Dado que é muito mais difícil para um indivíduo crescer na virtude e salvar sua alma se estiver vivendo na mais completa penúria, seria de se esperar que os pretensos moralistas e piedosos demonstrassem maior apreciação pelo sistema que possibilitou a maior criação de riqueza que o mundo já vivenciou — incluindo-se aí um assombroso aumento da expectativa de vida, da ingestão de calorias, da qualidade das moradias, da educação, da alfabetização, e de incontáveis outras coisas boas, bem como reduções dramáticas da mortalidade infantil, da fome e das doenças.  E, contrariamente ao que asseguram os propagandistas, nada poderia ser mais óbvio do que o fato de que os benefícios do capitalismo aprimoraram exponencialmente a vida dos mais pobres.

Faça o leitor uma experiência imaginária: suponha que um ancestral do ano 1700 pudesse ser transportado para a nossa época atual para vivenciar um dia rotineiro na vida de Bill Gates.  Ele sem dúvida ficaria impressionado com algumas coisas que tornam a vida de Bill Gates algo sem paralelos.  Porém, um bom palpite é que, dentre estes aspectos que tornam a vida de Gates inigualável, aqueles que mais impressionariam o ancestral seriam o fato de que Gates e sua família não têm de se preocupar com a possibilidade de morrerem de fome; que eles tomam banho diariamente; que eles utilizam várias roupas limpas ao longo do dia; que eles possuem dentes claros e saudáveis; que doenças como varíola, pólio, difteria, tuberculose, tétano e coqueluche não apresentam riscos substanciais; que as chances de Melinda Gates morrer durante o parto são de aproximadamente 1/60 em relação a um parto em 1700; que cada filho do casal tem aproximadamente 40 vezes mais chances de sobreviver à sua infância em relação às crianças da era pré-industrial; que os Gates possuem geladeiras e congeladores em suas casas (sem mencionar forno microondas, lava-louça, rádio, televisão, DVD, computadores etc.); que a semana de trabalho dos Gates é de apenas cinco dias e que a família tira várias semanas de férias por ano; que cada filho dos Gates recebe mais de uma década de educação escolar; que os Gates rotineiramente fazem viagens aéreas para locais distantes em questão de horas; que eles conversam sem nenhum esforço com pessoas que estão a milhares de quilômetros de distância; que eles frequentemente usufruem das soberbas performances dos melhores atores e atrizes do mundo; que os Gates podem, sempre que quiserem e onde puderem, ouvir uma sonata de Beethoven, uma ópera de Puccini ou uma balada de Frank Sinatra.

Em outras palavras, o que mais impressionaria nosso visitante são justamente os aspectos da vida de Gates que o magnata possui em comum com boa parte das pessoas do mundo (principalmente dos países desenvolvidos).  Por outro lado, quando você considera as diferenças que caracterizavam ricos e pobres antes da Revolução Industrial, o mito de que “o capitalismo promove a desigualdade” é desmascarado como uma ficção ignorante, uma história sem nenhum fundamento.

Escondida por baixo de todas essas críticas rotineiramente feitas ao mercado está uma ingenuidade a respeito do estado que realmente desafia por completo a lógica da mente humana.  Diga o que quiser a respeito de qualquer empresa da qual você não goste, e eu irei apenas lhe dizer que tal empresa não é a responsável por confiscar 40% da renda das pessoas para gastar em coisas moralmente repugnantes.  Tampouco é ela quem me proíbe de comercializar com o estrangeiro que mais me aprouver, que me impede de ter mais opções no mercado por causa de suas regulamentações, que encarcera pessoas pelo “crime” de ter ingerido ou injetado coisas em seus próprios organismos, que gerencia um sistema educacional que produz idiotas “multiculturais” em massa, e que despeja pessoas de suas propriedades com o intuito de fazer obras públicas naquele local.

Empresas privadas, mesmo as maiores, podem ir à falência.  O estado, não.  Por mais fã de regulamentações que um indivíduo seja, a simples sugestão de que o aparato estatal deva ganhar mais poderes, ou que tais poderes certamente não seriam utilizados depravadamente, é algo que realmente requer algum tipo de justificação que até o momento ninguém logrou apresentar.

Por fim, não deixa de ser curioso que os críticos da “imoralidade” do mercado não tenham estudado a sério as contribuições dos escolásticos espanhóis, cujas observações críticas sobre uma variedade de questões econômicas deveriam ser mais profundamente difundidas.  Porém, como estes escolásticos se posicionaram ao lado da liberdade econômica, os distributivistas os tratam como anátemas.  É de se lamentar, pois os escolásticos eram teólogos que não apenas apresentaram princípios morais, como também procuraram entender os mecanismos daquilo que estavam discutindo, isto é, o sistema de mercado.

Somente por meio de um genuíno conhecimento dos mecanismos da economia livre, em vez de sua caricatura, pode a dimensão moral da ciência econômica ser sensatamente discutida.

O Comunismo, por Plínio Correa de Oliveira

Presentinho para os católicos e católicas que leem o blog. Este artigo foi escrito por Plínio Correia de Oliveira há mais de 60 anos – continua atual! – e trata de três aspectos (o crime, a propriedade e a família) sob duas óticas (a cristã e a comunista). Plínio faz uma crítica contundente das falhas do comunismo, explicando porque o mesmo necessita da violência como instrumento político, ao mesmo tempo que contrapõe com a alternativa da doutrina católica. Boa leitura!

por Plínio Correa de Oliveira. Legionário, N.º 688, 14 de outubro de 1945

Como vimos atrás, o comunista se sacrifica pela aceleração de uma felicidade futura que a humanidade alcançará pelo desenvolvimento indefinido do progresso, e que trará consigo a isenção de qualquer sofrimento, de todos os defeitos e quiçá da própria morte. Só será ela retardada pelo mal, não pelo mal moral que o comunismo nega, mas pelo único mal que reconhece: o erro técnico.

Para o comunismo a noção de crime perde sua razão de ser se esse crime não teve conseqüência perturbadora do progresso da evolução da humanidade para a felicidade. Assim considerados, muitos atos de culposa criminalidade deixam de o ser, porque as conseqüências práticas não apareceram em sociedade prejudicando-a. Somente a utilidade das coisas para o progresso humano é que as torna boas ou más.

Daí o dispor o Estado dos particulares, de suas aptidões e capacidades, com um despotismo tirânico. Senão, vejamos. Um casal comunista é enviado pelo Estado a uma região do país onde há grande atraso cultural, com o encargo de lá fazer chegar a instrução, a arte, em suma, a cultura suficiente para um povo civilizado. Aquela peça da engrenagem universal obedece o mandato imperioso do Estado, embora que com sacrifício. O esmorecimento porém não se faz esperar porque o homem se pergunta, no íntimo, da causa de se esforçar, uma vez que irá participar de qualquer maneira da felicidade futura. E mais dia menos dia nada significam para quem vai gozar para sempre, prescindiu da lei moral, prevalecendo-se de motivos humanos.

Comparemos agora alguns dos diversos motivos que levam o homem a obedecer e analisemos os processos de julgamento comunista e católico. Suponhamos que um ébrio nos injurie e nos ameace e nós dele nos livramos, seja de qualquer maneira. Amanhã o mesmo homem se nos apresenta dentro da farda de guarda-civil. Respeita-lo-emos. Por que? Por qual dos seguintes motivos: por medo do castigo? porque se assim não procedermos, toda a comunidade humana também terá o direito de assim proceder? porque não haverá mais ordem nem paz? porque eu me prejudicarei e então é melhor obedecer…?

Ora, baseado no primeiro motivo, eu poderei desobedecer às escondidas, porque ignorada a desobediência, não haverá castigo. E cessando assim o motivo da minha obediência, desobedecerei sem receio.

A esse homem que fraudou, que desobedeceu, que enganou e que, por via dos acontecimentos, a conseqüência ou as conseqüências de seu mau ato não apareceram, o comunista nada aponta de erro, pois não foi prejudicado o andamento da sociedade para a época da felicidade. O católico porém diria: tu não podes proceder assim pois que não te é lícito; diante de Deus tu és responsável pelo crime que praticaste.

As maneiras de agir são falhas porque prescindem de Deus. De acordo com elas o homem procederá bem quando estiver sob a vigilância policial, não reconhecendo, como no catolicismo, uma autoridade primeira e divina donde procedem as demais autoridades constituídas. Na verdade, se assim não fora, por que obedecer a um meu igual? É a grande incoerência comunista, que obriga à atividade “bastante intensa” da polícia e que fez Churchill exclamar: “O socialismo sem a polícia é impossível”.

Provando essa afirmação, temos patente a existência da GPU e da Gestapo, dos campos de concentração e de redes policiais secretas, que “eliminam” da face terráquea os elementos que atrasaram a marcha do universo para a felicidade.

Esse modo de agir é fatal ao comunismo porque nega o direito de propriedade, negando o direito privado e, como prescinde de Deus e não admite a lei moral por Ele infundida, só pode dispor da força bruta para se implantar.

Capital e trabalho: conceito católico

A propriedade existe por causa da própria natureza das coisas. A propriedade é pois uma instituição desejada por Deus. Fazendo dessa mesma instituição obra humana é que chegam os homens aos abusos que podemos constatar na sociedade. De fato, só pode haver justiça na divisão de bens quando ela se basear no direito da propriedade. Isto posto, notemos que esse direito comporta limitações. Deus infinitamente sábio e bom deu aos homens o direito de constituir propriedade privada. Ora, os bens criados devem ser bastante para todos os homens. Conclusão: jamais a organização deve ser feita de modo a não se chegar a uma divisão perfeita. Entendemos por necessidades humanas a fome, a sede etc., resultando daí que o homem não só tem o direito de comer mas de se alimentar suficientemente; sua roupa não deve ser um abrigo qualquer contra o frio mas uma toillete decente de acordo com a sociedade a que faz parte. Estão contra os princípios católicos os ricos que se não desfazem do supérfluo em favor dos que morrem de frio ou de fome. Sempre oportunas nesse caso são as palavras de Jesus Cristo quando afirma que a tais ricos sem justiça, sem misericórdia, a esses serão fechadas as portas do paraíso. Pio XI insiste em que o operariado deve ter um salário suficiente, justo e familiar. Se assim acontecer, por sua vez não tolera a Igreja que um pobre que recebe justamente sua quota cobice riquezas impossíveis. Aquele que tendo suas necessidades acudidas invejar a riqueza alheia, peca contra o décimo mandamento.

Tudo quanto for igualdade fora das normas acima transcritas são terríveis ilusões. Partidária da suficiência de bens para todos, segundo sua categoria social, se levanta a Igreja contra os aventureiros que abusam da justa indignação dos miseráveis, e procuram fazer deles inimigos de toda a ordem e hierarquia social.

Visto que foi agora algo sobre o direito de propriedade, passemos a encarar um ponto importante que se liga estreitamente com as péssimas conseqüências que trazem em seu bojo as teorias marxistas.

* * *

A Família: já dissemos sobre o direito da família e iremos considerar a questão do divórcio, muito em voga em nossos dias, e que não se confunde com o desquite.

Será preferível a separação quando não houver felicidade? Será sempre vantajoso o amor livre? Para responder a esta interrogação que tão insistentemente nos fazem tantos e tantos interessados partiremos do princípio de São Tomás: todas as coisas são ditas perfeitas quando preenchem inteiramente o fim para o qual foram criadas. Subordinaremos o processo de julgamento do matrimônio a esta afirmação tomista e então o casamento preencherá o fim para o qual foi instituído, se tiver a glória da fecundidade. Há ainda em segundo plano um anseio para uma felicidade que consistirá em se achar um ente que nos compreenda e nos ame: o homem encontrando na mulher o carinho, a delicadeza, a virtude; e a mulher a força, o amparo, o sustento e também a virtude naquele que a conduziu perante o altar do Senhor e lhe jurou fidelidade até à morte. Mentem e pervertem os romances que buscando linguagem atrativa, e que procuram desviar o fim para o qual o casamento foi criado: a fecundidade, estabelecendo a felicidade em outra coisa que não a estabilidade de correspondência das legítimas satisfações de ambas as partes.

E nós nos colocamos agora diante do problema de como conseguir uma união duradoura e feliz. Não se põe dúvida no caso de uma árvore boa dar bons frutos e o mesmo devemos pensar de um casamento que só poderá trazer felicidade se precedido e firmado em sólidos princípios de moral e religião. O enlace que repousa nesta base estará pronto para enfrentar os desgastes do físico com o apontar da idade madura, pois a beleza embora possa aparecer não é a condição para a felicidade. O futuro pai de família atingirá essa formação quando praticar o que exige de sua noiva, ou em termos bem claros no dia em que souber ser puro.

Quando o valor da pureza puder ser admitido por muitas mentalidades que dela escarnecem, e mais ainda, quando for ela posta em exercício, podemos descansar quanto ao perigo do divórcio, porque deixará ele de existir. A sensualidade conduz o homem a ser infiel à sua esposa, prejudicando-se a si, a ela e aos filhos. Se partir de ambas as partes, será criado um ambiente de insegurança, de mentira, de fingimento, e aquele lar jamais será feliz se não houver uma retratação de atitudes de ambas as partes. Sobre ele virá a dissolução, o divórcio, querendo separar o que Deus uniu para sempre; divórcio esse que é a prova eloqüente da fraqueza do homem e não remédio, como sugerem muitos que se têm na conta de vítimas de um casamento fracassado.

É diante desse corrosivo da sociedadefruto fatal do comunismo e diante do próprio comunismo que deve o católico convicto erguer-se com desassombro, pronunciando as palavras que Cristo lhe deixou: Ego sum! Eu sou católico e não quero pactuar com uma seita que vai de encontro com os princípios essenciais da Igreja. Deposito toda minha confiança na Barca de Pedro que jamais desaparecerá, à sombra da Cruz, donde dimanam todos os frutos da Revelação e, nessa hora de dúvida para os destinos de nossa pátria, eu me dirijo a Jesus Cristo, Nosso Rei, rogando por que o Brasil seja sempre a Terra de Santa Cruz!

Versão digital do artigo disponível no site de Plínio Correa de Oliveira.